Cássia Janeiro é escritora e educadora.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Devo dizer que não tenho uma organização fixa, porque tenho problemas de saúde, o que dificulta muito uma produção constante. Porém, procuro estar sempre, de alguma forma, envolvida com literatura, seja escrevendo, lendo, assistindo a entrevistas etc.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Eu faço um planejamento, que quase sempre se modifica, conforme a produção vai caminhando. Mas faço uma lista de coisas que tenho que pesquisar para um determinado livro, poema, conto etc. O trabalho de escrita tem um pouco de planejamento, mas é preciso deixar espaço para as coisas fluírem, nunca é uma coisa ou outra. Escrever a primeira frase é mais difícil.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Quando estou escrevendo um livro, procuro estar em ambiente silencioso. Eu escrevo no meu quarto, que é também uma espécie de escritório. Quando estou escrevendo, procuro ter uma rotina, que ajuda a dividir o tempo. Ela depende da etapa em que eu estiver no livro, se é de coleta de material (a pesquisa em si), se é organização dos capítulos e por aí vai.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Eu sou uma procrastinadora por excelência, mas descobri que isso pode ser positivo. Enquanto não sento e escrevo, eu me envolvo com mil pensamentos e vou anotando. Porém, quando chega a hora de escrever pra valer, eu sou disciplinada, recolho esses “cacos”, que escrevo em diversos cadernos e organizo esses pequenos trechos, palavras e frases. Quando me sinto travada, eu não forço e procuro aliviar a mente vendo um bom filme ou seriado. Também gosto de rever séries e filmes favoritos quando estou assim, porque não preciso prestar tanta atenção. Minha mente gosta de devaneio e sinto prazer em deixá-la passear. Esses passeios também podem gerar textos e ideias.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
“As filhas de Eva” foi um livro difícil. Isso porque, além de o tema ser espinhoso (violência contra a mulher), a coletânea de histórias exigiu uma pesquisa vasta e profunda. Ali há casos muito próximos, como de pessoas da minha família e o meu próprio. Mas não é um desabafo, eu tinha consciência de que precisava escrever um texto esteticamente longe de desabafos ou de autoajuda. Então, essa construção foi muito cheia de detalhes e, no fim, resolvi fazer com que todas as histórias fossem alinhavadas, que elas se encontrassem de alguma forma. Assim, a Eva acabou catalisando as histórias das outras personagens. Também é um livro que me dá orgulho, no sentido que eu acho que consegui chegar onde eu queria.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
A escolha parte de alguma coisa que aguça meus sentimentos e/ou pensamentos. Sou muito curiosa e muitos temas me interessam. Escolhido o tema, organizo o que e como escrever. O processo de escrever poemas é muito diferente, por exemplo, de escrever contos. A poesia tem um ritmo e uma força imagética diferente da prosa. Cada escrito tem necessidades únicas, silêncios ímpares e construções específicas.
Procuro ter essa leitora ideal na primeira leitura do texto estruturado, que é a primeira versão. A partir desse primeiro esboço, faço considerações, analiso o a forma do texto em si, repetições, lacunas, exageros etc. Escrever exige um desapego, porque eu corto muito, procuro deixar o essencial. Às vezes, tem uma frase que eu acho linda, mas que é excessiva, então eu corto sem dó nem piedade. Guardo. Tenho um caderno cheio dessas frases amputadas, que ficam ali à espera de uma nova chance em outra produção.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Eu mostro para meus filhos, que são bons leitores, e para poucas pessoas muito amigas e boas leitoras também, que podem me ajudar a enxergar melhor o texto.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Eu era muito criança quando descobri que queria escrever. Na escola, havia a festa do primeiro livro e eu me lembro que, quando o recebi, fiquei encantada. Aí, eu cheirei o livro enquanto folheava as páginas e eu pensei que era aquilo que eu queria fazer: escrever. Tinha 7 anos. Aos 9, meu pai me deu uma máquina de escrever Remington portátil, porque eu era muito mentirosa, mas as minhas mentiras eram roteiros. Escrevi, então, meu primeiro livro, que tinha 62 páginas e era muito influenciado pelas minhas leituras de Agatha Christie, uma autora que eu já devorava com essa idade. Todo mundo morria no meu primeiro livro, que eu nem sei que fim levou. Então, o desejo de escrever, de ter essa permissão para mentir, de criar e contar histórias, é uma coisa que me acompanha desde muito cedo.
Eu gostaria de ter sido orientada na infância, de ouvir de alguém dizer para eu ir em frente e de me indicar bons livros. Isso só aconteceu no ensino médio, quando uma professora de português, que dizia que não dava nota 10 para ninguém, porque desestimulava, não apenas me deu 10, mas me disse que eu deveria ser escritora. Isso teve um impacto enorme na minha vida.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Muitos autores me influenciaram. No início, como disse, fui muito influenciada pela Agatha Christie. Mas o meu mundo se abriu com Kafka, que li aos 14 ou 15 anos. Depois veio Hemingway, Victor Hugo, Clarice, Cora, Cecília etc., antes dos 18 anos. A gente acaba se influenciando, porque os grandes autores, os clássicos, não são clássicos à toa. Eu nunca parei de ler e de descobrir.
Acho que não tive dificuldade em desenvolver um estilo próprio, porque gosto dessa carpintaria do texto. Eu leio em voz alta quando termino cada versão de um livro ou de um texto, porque eu consigo ouvir as falhas na melodia, mas também percebo as lacunas de conteúdo. Isso me ajudou a perceber qual era a minha voz, ao mesmo tempo em que esse processo também era parte de constituir essa voz.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Quando recomendo algum livro, procuro saber se a pessoa é leitora contumaz ou eventual, porque não dá para recomendar o mesmo livro para muitas pessoas. Cada uma tem um gosto específico, um interesse em dado momento da vida, uma experiência de leitura e também um tempo disponível para ler. Considero todos esses fatores antes de recomendar um livro e, ainda assim, às vezes, eu erro feio.