Carolina Montone é escritora, jornalista, atriz e instrutora de Yôga e Meditação.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo meu dia me espreguiçando , intuitivamente assim como meu amado cão York . Busco sentir minha mente e meu corpo em sintonia , reconhecendo as sensações do sono , do sonho … Agradeço a vida , aos desuses , protetores , sem rotina ritualística , com mantras , mentalizações, orações etc . Limpo a língua , numa suave raspagem para eliminar toxinas , indicada pela medicina milenar Ayurvédica . Logo após tomo água , de preferência morna pura ou com limão , em jejum . Medito ( o tempo varia conforme minha agenda e impulso do momento ). Tomo café com pitadas de canela , cúrcuma , óleo de coco . Uma bebida deliciosa e energética para começar o dia .
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrever “ é o verbo incessante … Escrevo todo tempo . Em tudo que eu experimento em ação , emoção , intuição me sinto “ escrevendo ” …Organizar a narrativa que desejo ou a possível em cada projeto, me conectar com o fluxo do encontro inerente das palavras , interagir francamente com elas é um processo facilitado pela energia madrugada . Noite adentro sinto um fluxo criativo maior , um “espaço ” para vibrar numa energia sútil intuitiva e propícia para reunir frases soltas , inspirações , repertórios imagéticos despertados por alguma palavra , vislumbre, vivência …durante o dia . Não saio de casa sem um caderno de anotações e uma caneta . Amo . Gosto de anotar palavras que brotam de observações /sensações pessoais . Algumas vezes uma crônica inteira nasce dessa palavra . Um conteúdo didático sobre meditação se desenha a partir da observação do comportamento das pessoas ao meu redor, ou do meu claro .
A mansidão da tarde também me convida para rever , revisitar , revisar … Acontecem processos catárticos à tarde também . Somos tantas vezes “reescritores ” compulsivos da nossa obra . E assim posso reconstruir um poema parido na madrugada , de novos pontos de vista e humores na brisa da tarde e gostar mais do resultado também . Não me prendo . A tarde também reservo com frequência à produção de conteúdos por demanda e ou mais técnicos , especialmente sobre Yôga e meditação , duas outras paixões : Enfim a tarde e a noite creio que escrevo melhor …
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo praticamente todos os dias , intuitivamente, com ou sem meta específica à cumprir . Considero a disciplina importante , especialmente para diminuir a pressão em relação ao cumprimento de prazos . A organização também nos confere liberdade , numa visão mais abrangente sobre criatividade , mas meu processo costuma ser mais impulsivo e emocional . Gosto de estar envolvida com metas de projetos com propósitos que me atiçam a vontade poética de “ mudar o mundo “ “ sonhar o mundo “ , enfim engajada de corpo , energia , mente e alma costumo escrever sem freio , com todos os sentidos , sem julgar , curiosa do que escrevo sabe ? Isto se dá num primeiro momento e depois elejo com mais obejtividade e técnica o quê fica e se adequa para traduzir melhor a demanda/oportunidade ” da vez” .
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tudo que captamos física , energética, emocionalmente , intelectualmente , assim como espiritualmente é ” pesquisa” para escrita . Nossa autoobservação pode fazer diferença no processo . Como “digerimos ” tudo isso impulsiona nosso estilo literário . De um ponto de vista mais prático e acadêmico digamos assim , as referências de pesquisa são tesouros fundamentais na construção de toda obra, inclusive para despertarmos para nossa própria voz com mais clareza . Claro que na ficção geralmente são privilegiadas outras pontes essenciais entre consciente e insconsciente e há uma anarquia poética natural , mas mesmo assim quase sempre há uma ou outra necessidade de pesquisa para composição de personagens , contextualização, ritmo etc
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A pulsão criativa busca sempre o “ outro “ . A expressão artísticoliterária é uma experiência de totalidade e inteireza em si mesma , mas queremos ser amados . E é assim : queremos que nossa obra seja bem vinda ao mundo . Faça “alguma” diferença . E dá medo do contrário sim . Lembrar que tudo é transitório , até nossos sonhos , desejos … ajuda para “tomar coragem “. E , principalmente , ser afetada pelo que escrevo me fortalece para correr o risco . Sentir é uma palavra importante pra mim …
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A cada releitura somos outros, mesmo que tenha se passado apenas uma hora . E há / haverá o ímpeto de alterar o texto . Reviso bastante . Poderia revisar mais . Há um momento em que precisamos desapegar . É intuitivo o momento “certo” de compartilhar o texto , mesmo sabendo que poderíamos continuar remexendo ” aqui e ali ” mais e mais… Chega um tempo em que a gente sente que o fundamental ali está dito e solta como “bolha de sabão ” … Escrever de alguma maneira jogará para “ debaixo do tapete “ um outro jeito de imaginar / contar ….Geralmente o editor é a primeira pessoa a ler o meu texto, mas há exceções e tenho tido vontade de mostrar mais o “processo” … . Amor no Ventilador por exemplo , meu livro mais recente , nasceu após uma leitura preciosa do jornalista , poeta e ativista cultural Rubens Jardim , que defendeu o então ” rascunho ” com todo carinho como ” pronto ” para publicação, a partir de pontos de vista inusitados pra mim, e acabou posteriormente assinando o prefácio do livro, que lancei antes do que supunha inicialmente já que planos também são “revisáveis “.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo até em ” papel ” de pão e com batom .Tenho dezenas de cadernos com frases soltas, palavras ” chaves” , devaneios, desenhos , instigações para mim mesma . Não saio de casa sem um . Escrevo no geral mais poesia e cartas à mão . Escrevo várias anotações sobre as obras no celular também, idéias e considerações repentinas, que chegam a todo momento quando estou imersa também em outras atividades. E o desenho geral do projeto até o acabamento se dá bastante no computador memso, mas varia . Já escrevi uma história infantil inteira à mão e outras obras também , especialmente os poemas . Creio que tenho uma relação equilibrada com o processo artesanal e a tecnologia . Tenho me interessado mais e aprendido meios de comunicar via redes sociais, por exemplo, etc .
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
O que me sustenta em fluxo criativo é fundamentalmente o cultivo do estado de presença . Habitar meu corpo, minhas experiencias , minha respiração . Viver todo instante como vida inteira . A prática da meditação é essencial , mas não se trata do esteriótipo “zen” de alguém sentado , calmo e de olhos fechados e sim de um estado atento de comoção contínua com a existência . Meditar tem mais relação com vitalidade e liberdade . Cultivar um um estilo de vida meditativo , de valorização da percepção é instigante . Focar minha mente e meus sentidos em cada experiência em tempo real me leva além … Buscar em mim , em tudo e todos uma janela de expansão da consciência me inspira . O contato com a natureza também. Vivo em São Paulo , mas mesmo em meio ao caos os pássaros cantam . É um desafio aguçar a percepção . Perceber . São diversos os estímulos sensoriais importantes . Ler, cantar , dançar , praticar Yôga … são vivências que me conectam com minha essência de poder criativo e transformador . O cinema também é uma paixão . Pra mim na verdade , tudo que vivemos e ou fazemos com presença é potente inspiração . Respirar com presença , todo dia , por alguns instantes , nos aproxima do que gostaríamos de escrever …
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Se eu pudesse voltar no tempo diria a mim mesma acerca do meu processo de construção literária : escreva , apenas escreva sem se ater aos julgamentos da sua mente … em algum momento propício você intuirá onde tudo se encaixa . Escrevemos com o coração, mesmo quando tentamos disfarçar . Nunca fui apegada a rótulos , métodos etc . Transitar por todos os gêneros com autenticidade é um gostoso desafio. Somos seres inteiros. Eu posso muito bem escrever uma história infantil e um poema erótico com a mesma entrega , intensidade, habilidade e franqueza . Esta é a mágica . Poesia é poesia . As caixas de “poesia feminina” , “poesia erótica ” e etc , por exemplo tem uma relevância na organização do pensamento e do conhecimento, “lugar de fala” etc e nada contra a quem se enraiza naturalmente numa única dessas possibilidades , mas desde que nos saibamos plurais e legitimemos nossa amplidão . A liberdade é sempre um rumo pra mim,um farol na estrada .. . Para mudar o jeito de dizer , alterar e ou alternar estilos , enfim acolher o ” sentir ” …
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu quero tanto … Desejos pululam …só busco que não me escravizem . Eles vão e vem como pensamentos , pássaros … Não costumo dizer muito de pré-projetos e estou atualmente ainda bem imersa nas alegrias do podcast ” Amor no Ventilador ” uma aventura sensorial de poesia e experimentações sonoras disponível nas plataformas de aúdio afins , que tive intenso prazer de realizar , mas uma vontade persistente há algum tempo na minha estrada é montar um repertório poético teatral sobre o povo cigano . Sou atriz e flertei com a dramaturgia no espetáculo autoral ” Com Medo do Medo ” que marcou a inauguração do Parque da Juventude na Biblioteca de São Paulo . Foi uma experiência interessante .
Quanto ao livro que ainda não existe … Nossa gostaria de ler tantos livros que ainda não existem . Talvez um livro bem rock and roll sobre paz e amor . Somos ainda muito viciados em “definições ” limitadas , do tipo ou é isto ou aquilo acerca de tudo e todos . Me interessa mais a mistura , os formatos híbridos . Queria um livro “de sentir” , de “brincar ” com o agora apenas . A poesia tem nuances desta liberdade … me acalma e me atiça …