Carolina Bataier é jornalista e escritora, autora de “O pôr do sol dos astronautas”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu gosto de ter tempo. Tento acordar cedo para colocar água nas plantas, tomar café com calma, alongar e, depois, começar a trabalhar. Mas nem sempre isso é possível e tem dias que acordo com os prazos e compromissos gritando no meu ouvido, rs.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho bem pela manhã e a noite, até o início da madrugada. Depois da uma da madrugada, já não presto mais. A tarde também tenho certa dificuldade para os trabalhos que exigem concentração.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como trabalho com escrita, acabou escrevendo um pouco todo dia. Além disso, conclui recentemente a dissertação do mestrado, e isso também me exigia escrita diária. Mas não tenho meta, não. A meta é escrever diariamente, sem estabelecer quantidade. Hoje, por exemplo, estas respostas já cumprem com minha proposta de rotina.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu anoto muita coisa. Estou no ônibus, vejo uma cena que me puxa uma ideia, anoto no celular ou no que estiver à mão. Depois, com calma, desenvolvo. O importante, para mim, é não deixar fugir aquele rastro de ideia que passa correndo. Tem que pegar pelo rabo. Depois, ver se vira alguma coisa, se cresce ou se morre. Mas ainda estou desenvolvendo meu método, eu sou ainda muito intuitiva e pouco técnica.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tem sido aprendizado. A dissertação do mestrado foi um grande treino, um aprendizado sobre minha rotina de escrita. Como muita gente, tenho dificuldade de manter o foco. Então, faço contratos comigo: desligo tudo por 20, 25 minutos e aprofundo. Depois, me dou 5 minutinhos de descanso. Mas entendi que o mais difícil é imergir, dar o mergulho. Muitas vezes, depois que alcanço a concentração e pego o ritmo do que estou escrevendo, sigo por horas. Isso vale para os projetos longos: é preciso mergulhar, compreender que vai ser cansativo mas satisfatório.
Sobre o medo de não corresponder às expectativas… Eu não sei. Eu tento não pensar nisso. As pessoas são diversas. Algumas vão gostar, outras não. As expectativas mais difíceis são as que criamos sobre nós mesmos, acho. Então, tento falar comigo mesma, entender que fiz o que poderia fazer naquele momento, naquela situação.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Meu livro, O pôr do sol dos astronautas, mostrei para dois amigos. Mas, depois, mexi nele mais uma vez. No mestrado, meu orientador, o Juarez Xavier, me ensinou algo importante: em algum momento, é preciso abandonar o trabalho. Considerar ele pronto e encerrar. Senão, você fica mexendo, alterando, para sempre.
Eu escrevo e releio em seguida. Depois, quando posso, abandono o texto por, pelo menos, um dia. Então, volto a ele. Mas nem sempre isso é possível.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu gosto de papel. Na dissertação do mestrado, organizei as ideias num caderno. Muitos dos textos que escrevo começam em anotações, também. Mas não é regra. Meu problema com a tecnologia é que ela me distrai demais. Então, as vezes, preciso desligar tudo para poder concluir os pensamentos, assentar as ideias.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu tento ter tempo. Considero o ócio bastante importante para minha criatividade. É quando o pensamento vai longe e posso revirar do avesso uma ideia, transformar em alguma coisa. Além disso, estou sempre envolvida em atividades que exigem trabalho criativo. Faço teatro há 3 anos. Tento ler bastante, ver filmes, descobrir novas atividades, explorar o mundo e prestar atenção às coisas pequenininhas, aos detalhes do cotidiano.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meus primeiros textos, lá na adolescência, eram desabafos, cartas de amor, essa coisa toda de colocar o sentimento no papel. Hoje, ainda tem isso, mas tem mais técnica. Antes era tudo intuitivo, hoje, procuro estudar, pesquisar, trabalhar melhor. Mas eu diria apenas: “o que você faz hoje é parte de um processo. Continue”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Há um projeto que até comecei, mas deixei engavetado. É um romance, pretendo retomar, agora com mais maturidade. Além disso, tem um projeto que levo meio na brincadeira, mas tem potencial para ser bem divertido, um livro de crônicas inspirado nas histórias de encontros e romances da minha melhor amiga.
Um livro que gostaria de ler é do Manoel de Barros sentado num galho de árvore observando de longe o mundo do lugar de onde ele está agora. Se bem que acho que ele já fez isso antes de partir.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Entre uma coisa e outra. Tenho um planejamento inicial, uma espécie de esqueleto do projeto, mas ele não é engessado. Ao começar a escrever, deixo fluir, tendo em mente onde quero chegar e sabendo que, no meio do caminho, algo pode mudar.
Confesso que sou um pouco desorganizada, tenho uma tendência ao caos. Então, acho mais difícil escrever a última frase. A primeira sempre acaba me surgindo quando menos espero: no banho, no trabalho, quando acordo. Depois, organizar todo o resto e chegar ao fim é um desafio.
Mas, pensando na resposta a essa pergunta, conclui que ainda não desenvolvi tantos projetos a ponto de saber qual é minha metodologia. Estou, ainda, aprendendo sobre mim. Talvez daqui uns anos eu saiba responder melhor esta pergunta, rs.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Eu tenho um emprego fixo, em horário comercial. Então, meus projetos secundários ficam em segundo plano na minha rotina. Não são vários, mas são alguns, dependendo do momento. Como essa rotina de trabalho fixo é relativamente nova – faz uns 5 meses, antes eu trabalhava como freelancer – estou ainda entendendo como vai ser. Já compreendi que preciso ter horários destinados aos projetos pessoais, senão eles nunca são realizados. Agora, estou estudando como encaixá-los da melhor forma na minha rotina.
E, nas últimas semanas, vejo uma nova oportunidade de dar vida ou continuidade a alguns projetos. Estou em home office, no isolamento por causa do coronavírus. Como a quantidade de trabalho também diminuiu por causa desta nova realidade, vejo a possibilidade de ter mais tempo para meus projetos pessoais ou, pelo menos, uma possibilidade de organizá-los para quando retomarmos a rotina. O desafio, neste momento, é focar nos projetos e driblar a ansiedade do momento, as preocupações, o emocional abalado pela realidade imediata. Enfim, ganho tempo, mas surgem novos desafios.
Gosto de ter tempo e, consequentemente, não acumular muitos projetos. Mas, em alguns momentos, é inevitável. As ideias surgem, mas a escrita criativa não paga minhas contas e os projetos pessoais se somam a outros trabalhos.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Eu escrevo desde criança. Lembro quando escrevi o roteiro de uma peça de teatro, eu devia ter uns 6, 7 anos. Era uma coisa boba, a história de uma flor: nasce, cresce, conhece uma abelha, bebe água da chuva, morre. A escrita sempre foi presente em minha vida, sempre a vi como um meio de expressão e de vazão da criatividade. Mas, em alguns momentos, esse interesse foi deixado de lado, como quando estava estudando para o vestibular ou no começo da carreira, quando trabalhei como repórter e só praticava a escrita mais técnica, não a escrita criativa. E, sempre que retorno à escrita criativa, sinto prazer em exercitar esse lado. Então, na última vez quando fiz essa retomada, decidi não parar mais. Isso é relativamente recente, foi mais ou menos em 2014.
Depois disso, aprendi que a escrita mais técnica, como a de uma tese de mestrado, por exemplo, também pode me trazer satisfação. É bom ver o fim de um texto. É bom trabalhar as palavras, brincar com elas, vê-las desenhando um cenário ou uma ideia. Acho que é isso que me motiva, essa possibilidade de explorar, de criar e de me desafiar.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Não sei muito bem sobre meu estilo. Nunca pensei muito nisso. Acho que ele está sempre em construção, é mutável e influenciado por fatores externos. Mas, sim, se esse estilo existe, ele nasce e se desenvolve sob a influência de todas as pessoas que leio. Não conseguiria citar um autor ou uma autora, acho que seria injusto.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Recomendar livros é sempre uma tarefa difícil. São tantos e, ainda assim, cada pessoa é única, pode gostar de algo que não me interessa e vice-versa. Então, vou usar aqui critérios: indicarei autores brasileiros, porque nossa literatura é linda, vasta e ler na língua original da obra é maravilhoso; e indicarei obras que me marcaram, me causaram espanto e alegria.
“Grande Sertão: veredas”, do João Guimarães Rosa porque, além de ser um clássico, é muito bonito, muito forte, muito tocante. Não é uma leitura fácil, mas vale insistir e adentrar. Uma vez lá dentro, um universo se abre.
“Como se estivéssemos em palimpsesto de putas”, da Elvira Vigna, é um livro inteligente com personagens deliciosos. Falando assim, parece uma leitura leve, e não é. Mas é nisso que está o encanto deste trabalho: ele conta uma história densa, mas a gente se diverte lendo.
E, por fim, recomendo qualquer livro de contos da Lygia Fagundes Telles. Os contos dela são incríveis, precisos, com personagens e cenas sempre deliciosos. Lygia é incrível, é maravilhoso dividir a existência com essa mulher. Que honra nós temos.