Carlos Messias é escritor e jornalista, autor de Consolação.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Impreterivelmente com café e jornal, até para dar tempo de a cabeça voltar a funcionar. Depois passeio com o meu cachorro (um vira-lata de três anos chamado Dylan) e, na volta, sento diante do computador, que é quando meu dia começa para valer.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sempre trabalho melhor de madrugada, seja quando acordo muito cedo com esse propósito ou quando varo a noite escrevendo, o que eu adoro. Nem sempre é possível, dado que, além de literatura, também trabalho com jornalismo e publicidade, de modo que muitas vezes preciso me adequar ao horário comercial. Mas minhas melhores ideias e o meu melhor fluxo de trabalho ocorrem sempre na calada da noite, sem ruídos, sem interrupção, sem distrações.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo artigos e reportagens todos os dias, até porque preciso pagar as contas. Já na literatura é diferente e depende muito se estou trabalhando em algum livro e em que estágio ele se encontra. Em dado momento do processo de escrita do meu primeiro romance, Consolação, me impus escrever ao menos dez páginas por dia. Consegui bater essa meta várias vezes, porém percebi que a pressão é inversamente proporcional à qualidade da escrita e algumas das melhores passagens surgiram em tiros curtos, momentos em que simplesmente escrevi, sem me preocupar com nada além disso. Agora que estou escrevendo meu segundo romance, estou tentando não me ater a nenhum cronograma e só escrever quando sinto vontade, seja um parágrafo antes de dormir ou páginas e páginas no fim de semana. Sei que em algum momento precisarei me impor uma disciplina maior, pois escrever um romance, pelo menos para mim, exige uma imersão quase absoluta, até para para ligar todos os pontos e encontrar os meandros da história. Para concluir Consolação, por exemplo, me isolei durante dois meses em uma cabana em Gonçalves – MG. Mas no momento atual, em que ainda estou experimentando diferentes vozes e afinando o tom, percebo que a qualidade vem da espontaneidade.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Varia. Quando escrevo contos, por exemplo, é no calor do momento, quando tenho uma ideia e sinto uma vontade quase irreprimível de contar aquela história. Já com romance eu deixo a história maturar por meses, até anos na minha cabeça (sempre fazendo anotações e pesquisando em paralelo), até sentir o impulso de colocar a mão na massa. É como se chegasse um momento em que a história exigisse ser contada e isso só ocorre quando já tenho o livro bem definido na minha cabeça e quando a pesquisa está num nível em que eu consiga escrever sobre determinados temas com naturalidade, sem deixar rastros das leituras que fiz. Quanto mais eu pesquisar e menos usar aquela pesquisa de maneira explícita, melhor. Por exemplo, o narrador do meu livro atual é um psiquiatra e só me senti pronto para começar a escrever quando fiquei à vontade com a nomenclatura científica e consegui incorporá-la ao seu discurso habitual, dosando com muito cuidado como a linguagem permeia o conhecimento e vice-versa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas são inerentes ao processo de escrever e aprendi a aceitar alguma procrastinação, desde que não seja paralisante. Enquanto escrevo, não existe medo, não existem expectativas, eu me atenho à minha visão e deixo ela me conduzir. Vou me preocupar com a recepção quando o texto está minimamente acabado, aí decido se publico, se reescrevo ou se engaveto. A ansiedade é inerente a trabalhar em projetos longos e o único jeito com que consigo contê-la é tentando me ater ao que está ao meu alcance, uma página por vez, devagar e sempre. Se o texto não está fluindo, tento ocupar aquele tempo planejando as próximas cenas, revendo uma parte da pesquisa etc.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Como dizem, não existe livro pronto e, sim, livro abandonado. Eu revisei Consolação oito vezes e depois reli umas três antes de imprimir. Fiz alterações até a última leitura e, se não tivesse publicado dois anos atrás, certamente estaria mexendo nele até hoje. Tenho um grande amigo, ex-colega de mestrado, que sempre lê meus textos assim que escrevo. Também procuro mostrar a qualquer conhecido que esteja disposto a ler, o que é mais difícil do que eu imaginava. Um total de cinco amigos leu Consolação antes de publicado – levei em consideração vários apontamentos, outros não – e eles foram todos mencionados nos agradecimentos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Detesto computador e celular, mas se tornaram males necessários. Quando comecei a escrever literatura, mais de vinte anos atrás, eu usava uma máquina de escrever e acho que isso foi fundamental para eu desenvolver um senso de ritmo que me norteia até hoje. Atualmente faço anotações em uma caderneta que anda sempre comigo ou no aplicativo do celular. Desde que, com muita relutância, aderi ao computador, passei a escrever no Word. Até que, sete anos atrás, estava saindo de uma entrevista na casa do Paul Auster, em Nova York, e parei em um café para mandar para o jornal o retorno da entrevista por e-mail . Estava tão excitado por ter acabado de entrevistar um dos meus escritores favoritos que segurei o copo de papel com muita força e o café foi derramado quase todo no meu computador, que pifou instantaneamente e perdeu todos os arquivos, incluindo as primeiras 80 páginas de Consolação, nas quais eu estava trabalhando na época. Desde então, escrevo apenas no Google Docs, para não precisar me preocupar em fazer backup constantemente.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias estão no ar, pairando sobre livros, jornais, filmes, canções, conversas de que você participa ou escuta de orelhada… basta estar atento para acessá-las. Não tenho nenhum hábito com o intuito de me manter criativo, porém percebo que alguns dos meus hábitos cotidianos favorecem isso, como ler, meditar, caminhar principalmente e, veja só, tomar banho – o box do chuveiro é um celeiro de novas ideias. Drogas como álcool, maconha e psicodélicos, se usados com parcimônia, também podem ajudar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meus primeiros textos foram escritos espontaneamente, pela mais pura necessidade de organizar minhas ideias e dar vazão a certos sentimentos. Se eu pudesse voltar no tempo, diria a mim mesmo para continuar exatamente da mesma maneira, por quanto tempo fosse possível. Meu processo mudou muito por conta dos compromissos da vida adulta e por eu ter feito da escrita uma profissão, mas, se pudesse, escreveria com aquela liberdade para sempre.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria muito de escrever um romance (talvez o próximo) que tivesse como mote a indústria alimentícia e como diversos tipos de câncer estão relacionados a agrotóxicos, corantes, adoçantes, nitritos, nitratos, carnes processadas etc. Estou escrevendo o livro que gostaria de ler e ainda não li, falo mais a respeito quando terminar.