Carlos Machado é professor, escritor e músico, autor de A voz do outro, Nós da província: diálogos com o carbono, Balada de uma retina sul-americana e Poeira fria.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bem, trabalho como coordenador pedagógico em uma escola internacional (Colégio Suíço de Curitiba) no departamento do Ensino Médio, e, dessa forma, minha rotina diária começa bem cedo, antes das seis da manhã (já que as aulas começam às 7h30) e vai até às 17h, todos os dias. Mas o que eu preciso fazer, logo depois de me arrumar e tomar café, é ler algumas páginas do livro da vez. Faço isso todos os dias, por meia hora, e assim posso começar meu dia na escola. Como eu gosto (e preciso) bastante de ler, mas não tenho tanto tempo livre assim, leio antes de dormir e quando acordo. É no sonho que muitas histórias começam…
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pois, importante começar com a ideia de que escrever não é necessariamente apenas o momento da redação de um texto. Escrever significa também, ou até ainda mais do que a redação, pensar, encher-se de histórias, inventar personagens, enredos etc. Esse processo acontece absolutamente em tempo integral. Naturalmente que o dia-a-dia nos fornece bastante material para escrever, mas em algum momento precisamos selecionar o que achamos interessante para uma história, para um texto etc. Um escritor quando decide ser escritor (e aqui eu roubo a ideia de meu colega escritor Otto Leopoldo Winck) acumula todas as experiências de vida para imaginar histórias, ou seja, tudo se torna um pretexto para escrever: uma viagem, uma conversa com amigos, resolver um problema no trabalho, encontrar-se com conhecidos na rua, observar pessoas sentadas no trem em um país estranho etc. Portanto, não importa a hora em que isso acontece, porque pode acontecer a todo momento. Porém, para a redação do texto, aí sim, em meu caso, sempre importante que aconteça em algum momento no qual eu consiga ficar em um ambiente silencioso, geralmente à noite. Como passo muito do meu tempo anotando impressões, ideias, imagens etc., quando parto para a redação, tenho que reler tudo que escrevi previamente, fazer uma seleção etc., para então poder escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como na resposta anterior, o texto aparece o tempo todo. Eu sou escritor 24 horas por dia, mas nem sempre coloco as palavras no papel (ou na tela do computador). Porém, sendo mais específico, quando começo a redação de uma novela, por exemplo, eu tenho a tendência a escrever todos os dias, e, até certo ponto, de forma desesperada. Não tenho muita paciência para escrever um texto longo em que fico na redação dele por um, dois ou mais anos, como muitos escritores fazem. Eu sou muito imprudente, na verdade: passo, sim, um, dois anos ou mais, muito mais, pensando em uma história (como na história do romance que acabo de escrever “Por acaso memória”, que se passa no período do Plano Collor, na qual fiquei mais de cinco anos pensando, estudando esse período de nossa política etc., e a redação não demorou mais que dois meses, todos os dias, até doer as costas). Nesses períodos de imprudência, ou melhor, de escrita efetiva do texto, coloco algumas metas. Geralmente quando começo um livro como esse, os capítulos já estão esquematizados, já sei o que vai acontecer em cada um deles, então me baseio por esse desenho e sigo adiante.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É muito doloroso na verdade. Uma vez tudo pronto (notas, imagens, estruturas, capítulos etc.), começa o momento em que menos tenho prazer: a redação do texto. Como disse na resposta anterior, sou muito imprudente e tenho pouca paciência para escrever demoradamentre, mas tampouco escrevo sem me preocupar com o que coloco no papel, claro que não é isso, apenas que preciso esgotar o que tenho previamente anotado, e isso geralmente só funciona de forma desesperada. Eu só começo um romance, uma novela, quando já sei para onde vou (o que não significa que respeito esse roteiro sempre, pelo contrário, quase nunca o respeito, saio por outros caminhos, mas com a segurança de voltar a qualquer momento para o que foi previamente estabelecido). Já em um conto não sigo essa regra: começo com uma frase, uma imagem, uma pequena ideia e sigo sem rumo. No início, quando comecei a escrever meus primeiros contos em 2000, 2001, fazia textos pequenos e, portanto, a meta era escrever do início ao fim, mas ao longo do tempo, meus contos foram ficando mais longos, quase novelas, e, nesse caso, eu me dou o direito de demorar mais tempo para escrevê-los, mas acho angustiante começar um texto e nunca terminá-lo… bem, às vezes não dá certo mesmo. O importante é insistir. Talvez por isso sofro tanto quando escrevo um texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Além de imprudente, eu sou muitas vezes caótico com meus textos e minhas canções, mas ser assim me ajuda muito nos momentos em que eu tenho travas da escrita, ou até mesmo medo da expectativa imposta por mim mesmo. Isso porque posso caminhar de uma linguagem para outra até me sentir confortável em alguma determinada história ou canção. Não tenho o luxo de poder apenas escrever ou compor músicas o tempo todo, (talvez por pouco talento, falta de sorte e/ou de tentar mais e mais, não sei ao certo, e no momento não me importo mais como isso), mas ao mesmo tempo isso me traz uma liberdade que talvez eu não tivesse, caso fosse um escritor profissional, lido por muitos. Então, dessa forma, a luta para vencer a expectativa e a ansiedade é apenas uma luta pessoal. E, como disse, sofro muito com a ansiedade. Dessa forma, quando começo a escrever (a redação do texto) eu tento seguir um ritmo pulsante do início ao fim, como se estivesse atravessando um rio com uma correnteza forte em que o mais prudente seria não parar até chegar al otro lado del rio.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu leio e releio o tempo todo. É a parte mais desesperadora para mim, porque revisitar o texto é sempre uma aventura. O texto sempre se torna outro cada vez que o leio. Mas, enfim, é preciso passar por esse processo, talvez o mais importante de todos (até mesmo do que da fase de colher e acumular informações, não sei…). Sim, importantíssimo mostrar os textos para outras pessoas em quem confiamos. Meus amigos mais próximos sempre contribuem nesses momentos, alguns amigos escritores também e, sobretudo, minha irmã (que é bióloga e pedagoga).
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre anoto impressões, ideias, informações etc., à mão, em um caderno. Depois, preciso passar essas notas para o computador, para então escrever os textos de fato. Deixo tudo salvo nas nuvens para que eu possa escrever de qualquer lugar a qualquer momento em que eu precisar. Acredito que meu relacionamento com a tecnologia é como para todos da minha geração: tivemos um pedaço da adolescência sem computadores e uma outra parte com o início desse processo, diferente das novas gerações que já nasceram com o computador. Talvez por isso eu ainda escreva à mão antes de mais nada e, somente depois, faço a redação no computador: é natural dessa forma. Uma pequena exceção aconteceu no meu terceiro livro, a novela Balada de uma retina sul-americana, que escrevi inteira à mão durante uma viagem de trinta dias de carro.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm de todos os lugares possíveis. Do dia-a-dia, dos jornais, da internet, dos livros que leio, das pessoas que encontro por aí, dos lugares em que visito, das cidades por onde passo, dos idiomas que aprendo, e assim por diante. O importante (e não necessariamente fácil) é poder identificar o que vale a pena transformar em uma história e fazer, assim, literatura. Nesse caso, depende um pouco dos projetos que estão acontecendo, ou de uma ideia maior que pode ficar guardada para os próximos textos etc. Continuar criativo, no meu caso, significa continuar acumulando experiências, conhecendo pessoas, lugares etc., como disse acima e, no momento certo (que pode ser difícil de chegar), passar uma rede, uma peneira no ar até sobrarem as palavras das quais preciso.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meu processo de escrita está um pouco menos caótico que antigamente, quando comecei (embora ainda caótico). O que faço agora que não fazia antes é acumular imagens, palavras, estruturas até um momento em que não tem mais para onde ir a não ser para a redação do texto (que, como já apontei acima, fujo com todas as forças…). Lidar com a impaciência, com a ansiedade é algo que, apesar de ainda precisar melhorar muito, já lido com mais segurança que antes. Se eu pudesse, e isso é, na verdade, um projeto, revisar meus três primeiros livros (dois de contos e uma novela) eu tentaria (e tentarei) eliminar imagens que considero hoje muito ruins. Talvez algumas palavras, não sei ao certo. Eu tive dois leitores de luxo (nos meus três primeiros livros) que me fizeram tantos comentários sobre os textos (infelizmente depois de já publicados) que sinto como se precisasse de uma nova edição. Mas, enfim, valeu pela experiência.
Eu tenho um exemplar de meu segundo livro (Nós da Província: diálogo com o carbono) todo escrito com anotações à mão feitas pelo poeta manauara Thiago de Mello. O outro leitor luxuoso que tive prefiro não revelar quem é, porque com certeza ele não iria gostar se eu dissesse. E como ele é meu vizinho, prefiro evitar…
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um dos projetos que ainda gostaria de fazer é justamente o relançamento (em novas edições) de meus três primeiros livros. Livros que não existem são os livros que ainda não li, portanto, infinitos…