Carlos Lúcio Gontijo é poeta, jornalista e escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tem como eu ter uma rotina matinal, pois na maioria das vezes durmo muito tarde. E não raro, chego a levantar para fazer anotações de ideias que surgem e até me levam a não retornar à cama. Em casos assim, o sol me encontra ainda acordado.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A hora melhor de se trabalhar é a hora em que se tem uma ideia. Quem escreve e é autor não pode parar de pensar, pois se o fizer as ideias param de vir. Ou seja, é preciso estar sempre atento, “antenado” e aberto à chegada dos pensamentos. É como se fosse um exercício incessante, uma eterna maratona em torno de palavras e frases. Enfim, dedicar-se à arte da palavra escrita é como manter, no peito e na mente, um abrigo acolhedor de todos os pensamentos que estão a vagar por aí.
Com toda certeza, não dá para tocar o projeto de um livro apenas movido à inspiração! Da minha parte, nunca fui para o papel sem saber o que dizer. Quantos e quantos poemas ficaram na minha cabeça meses e anos sem irem para o papel. Às vezes, você tem um verso magnífico e não é fácil trabalhar em torno dele sem maculá-lo. O mesmo se dá na elaboração de um romance: primeiro uma boa história e um bom princípio filosófico lastreando a construção de mensagem edificante.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sempre opto, num primeiro momento, por dar grande arrancada. Porém, depois me entrego ao ato de escrever todos os dias, ininterruptamente, até o final do enredo proposto. Acredito que o propósito narrativo deve ser ligeiro, a fim de não perder a originalidade na qual foi germinado. As mudanças psicológicas que acontecem a todo instante (e mais ainda quando se deixa passar muito tempo) podem conduzir a constantes revisões do que foi escrito e até mesmo à desistência. Essa coisa de ficar postergando, promovendo supressões e introduzindo adendos a todo o instante tem o poder de destruir a espontaneidade da escrita e anular o potencial de um bom enredo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A pesquisa e as anotações são muito importantes, mas é preciso desde o início buscá-las sob a estrutura de uma filosofia predeterminada. Sem esse cuidado, o volume de informações se perde por falta de orientação a priori. Um escritor deve sempre ter a firme ideia do que quer dizer – a coleta de dados só tem valor à medida que seu enredo tenha a devida consistência e está plenamente apto a receber as informações como complemento. Em síntese, para o autor, a pesquisa apenas adquire valor quando se tem uma ideia na cabeça.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Escritor não deve nunca questionar a si mesmo. O que ele produz só lhe pertence no momento da criação; depois é como filho que parte em busca de seu próprio chão. Vai agradar a uns, a outros não! A tarefa de quem se encontra absorvido (e envolvido) pela difícil arte literária está na criação, mais precisamente na tentativa de sensibilizar e atrair a atenção de seus casuais leitores. Na condição de poeta e escritor, acredito que o sucesso de nós autores se resume em conhecermos o nosso propósito na atividade intelectual, tentar crescer como seres humanos formadores de opinião, sob a motivação central de alcançar o nosso potencial máximo e lançar as sementes de um ideário de palavras que beneficiem outras pessoas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Costumo dar uma olhada ligeira (não gosto de ficar modificando demais e revendo ideias colocadas em determinado momento psicológico específico) e, em seguida entrego a obra ao processo de revisão final, quando outra pessoa muitas vezes vislumbra situações e equívocos que eu não cheguei a perceber.
Depois que o livro foi revisto, volto a dar uma olhada ligeira, mas aí já com o olho de edição, buscando verificar se o enredo está bem-posto, com cada coisa em seu lugar. Contudo, desde o início do processo, tenho o hábito de conversar com outras pessoas sob o tema que estou escrevendo, numa apuração informal sobre a aceitação e a visão das pessoas sobre o assunto. Quantas e quantas vezes, os interlocutores sem se darem conta me doaram excelentes colocações, abrindo clareiras à construção de minha obra!
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevi muitos livros a mão, dando muito trabalho à minha esposa Nina na transcrição dos mesmos. Hoje, faço inúmeras anotações no papel, mas o livro é escrito no computador. Todavia, não me ponho a aproveitar as facilidades da informática para ficar trocando, substituindo e escolhendo palavras, ao invés de me concentrar na ideia, na frase bem-feita e na metáfora capaz de levar o leitor à reflexão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Como estou na estrada desde 1977, quando lancei o primeiro dos meus 23 livros (a 24ª obra já está com o ilustrador e preparada para a comemoração de meus 70 anos), posso afirmar que as ideias vêm porque cuido de manter os canais de minha mente sempre abertos e acessíveis. Por outro lado, cultivo o hábito de leitura, dando preferência sempre a autores fora da mídia; romancistas e poetas iniciantes, que me passam energia, criatividade e simplicidade – uma escrita sem afetações.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Exerci jornalismo durante muitos anos – desde a composição a quente, a impressão no chumbo. De lá pra cá aconteceu uma séria de aperfeiçoamentos no sistema gráfico, mas independentemente de todos eles o escritor e sua capacidade criativa é que dão vida ao mundo editorial, que ficou mais ligeiro, satisfazendo a ansiedade dos autores, que ganharam muitas formas de trazer a público os seus textos. Há inclusive a rapidez da internet para pesquisas e informações, atendendo de maneira mais abrangente aos que labutam no mundo da escrita.
Eu mesmo, na condição de autor independente, além de editar na forma tradicional, disponibilizo em meu site, que está em funcionamento desde 05 de junho de 2005, toda minha obra (romances, novelas, poesia, livros infantis), como uma forma de ampliar o alcance idealista da minha palavra.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto de meu 25º livro, que por enquanto é tão-somente uma ideia povoando e atormentando a minha mente; um enredo mergulhado em filosofia e já titulado: “Jenipapo no ponto”.
No mais, para entretenimento e respostas às inquietações minha alma, gostaria de ter acesso a um livro que me descortinasse o futuro sem me tirar a alegria e as surpresas de caminhada na dimensão terrestre.