Carlos Augusto Corrêa é cronista e poeta.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo meu dia já com algo planejado pra escrever ou continuar escrevendo. Não há um dia em que deixo pra fazê-lo depois. Tenho essa rotina de há muito e nos últimos cinco anos, desde quando me informatizei, esse cotidiano se intensificou. Há madrugadas até em que me levanto com um tema de poesia ou crônica ou então com um ou outro verso a ser executado no dia seguinte ou em outro, não importa. Já ouvi relatos parecidos com escritores da década de 60. Hoje me aplico a escrever pela manhã e depois pela tarde e numa parte da noite. Em geral depois das onze nada mais produzo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados?
Na verdade, já gostei muito de escrever à noite varando pela madrugada. Hoje me solto bastante pela manhã, consigo escrever com muita soltura e senso de composição. À tarde, pela metade, volto a escrever. Meu ritual para executar a escrita? No início de minha prática literária, quando achava que ia revolucionar o discurso literário de meu país, deixava esfriar um pouco a emoção do poema, e assim a palavra saía mais pensada. Cheguei a perguntar sobre isso a alguns escritores afamados. O Ivan Junqueira, por exemplo, fazia o poema em casa em seu escritório, inteiramente concentrado. Foi o que vi anos a fio Ivan fazendo. Era um escritor mais cerebral. Fausto Cunha, em que pese também o trabalho rigoroso de seu texto, deixava transparecer mais um pouco a emoção. No início, portanto, eu me preocupava mais em construir o discurso. Hoje, procuro fazer um casamento harmônico entre reflexão e sentimento.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita começa normalmente com uma pesquisa tanto na crônica quanto na poesia, e no ensaio também. De pois de recolher dados, me concentro ouvindo música ou vendo, sentindo, tocando algo. O importante é que me sinta só escrevendo, ainda que possa estar rodeado de pessoas, mas sem dialogar com ninguém, a não ser com minhas vozes. E aí a memória e a capacidade de invenção vão me ajudando a elaborar a escrita. A crônica, hoje, sai mais fácil, mesmo que me ponha a observar cada palavra à medida que vou me entregando a escrever. Na poesia esse trabalho é mais rigoroso ainda.
Li certa vez que Drummond escrevia as crônicas, por sinal primorosas, e ainda assim, ao passar pra livro, ainda retocava. Sinceramente me esqueci de perguntar este dado a ele. Mas Ciro dos Anjos, em conversa comigo em sua residência, contou que o poeta de Itabira tinha imensa facilidade de escrever a crônica. Ambos trabalharam juntos no Diário de Minas. Drummond chegava, sentava-se à mesa de redação e de uma só vez compunha a crônica, o que não acontecia com Ciro que suava pra executar o texto ali no Palácio do Catete.
Não sinto dificuldade pra iniciar uma crônica ou ensaio ou resenha. O poema, todavia, me leva a pensar mais intensamente. A passagem da pesquisa pra execução é mais calejada. Temos de usar menos palavras pra dizer muito. Drummond já dizia ser a poesia um sinal de menos. Isto não significa dizer que a prosa não deva requerer esse empenho. Deve, sim. Está aí Graciliano Ramos que não me deixa mentir. Mestre maior da elaboração formal encaixada em seus temas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Às vezes, ao escrever um texto, paro no primeiro parágrafo ou mesmo na metade. Sinto que ele não correspondeu a minha expectativa. Antes, procurava refazer, hoje não: inutilizo-o, posso até aproveitar um e outro detalhe, mas vou preparar outro(s) parágrafo(s).
Agora, ao preparar um livro, há que adiar as suas partes. Em geral, como tenho por hábito elaborar a mensagem, anoto sempre a essência do que vou escrever na próxima vez. Não me agrada chegar ao outro dia sem ter o que procurar pra desenvolver. Fiz um livro assim, o Terra Presente, que consiste basicamente em um longo poema, além de outros menores. Passei por esta experiência, e esta forma de proceder aliviava a ansiedade, caso não tivesse nada em que me basear pra invenção.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depende. Há textos, mormente os de poesia, que reviso diversas vezes até encontrar a forma definitiva. Faço parte da geração de 70, influenciada por Drummond e João Cabral, Murilo Mendes e Jorge de Lima. Outros textos, contudo, reviso menos, mas nunca deixou de lhe passar os olhos. Essas travas, como você as denominou, quando trabalhadas, dão mais sensação de alívio e bem-estar, uma vez que o texto se encontra bem construído.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não digo que tenho obsessão pela tecnologia, porém ela está presente na crônica e no poema que faço. Em meu primeiro livro, o Cinescópio, a última linha de um poema retrata bem o que digo: “palavras de metal e asa”. A metáfora tecnológica foi bem praticada pelo discurso vanguardístico, como o concretismo e a práxis.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias de um escritor vêm de seu íntimo por um lado; por outro, são oriundas de suas concepções estéticas. Isto aparece unido no ato da criação. O cotidiano é também fonte permanente de ideias. Certa vez, Jorge Amado, ao ser indagado sobre a criação, disse num programa televisivo que tal ato era um mistério. Pra mim, ele é mais pessoal, do criador, e resulta desse complexo de coisas mencionadas. Se você se atém a esse complexo criativo, sua produção vai manter o mesmo nível. Do contrário, ela terá altos e baixos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou o ímpeto com que me punha no exercício da palavra. De uns anos pra cá, a garra, não só a consciência com que faço a arte, é bem mais intensa. Sinto que me ponho mais, ou quase todo, no que produzo. O que falta aos primeiros textos é precisamente essa relação mais carnal da criação: ela até existe, contudo em menor quantidade.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de reunir meus poemas. Além disso, quero escrever um outro livro de marcas bem épicas. Aliás, já fiz um, o Terra Presente, e agora desejo acrescentar mais alusões, e de vária natureza, neste novo.
Difícil dizer sobre o livro que gostaria de ler e ainda não foi feito. Trabalho com a linha metafísica e com a comprometida socialmente. As duas já dispõem de exemplos marcantes. Talvez gostasse de ver um outro livro engajado que fosse bastante inventivo, o que é raro, dada a quantidade de discursos panfletários que rondam por aí.