Caio Augusto Ribeiro é professor de teatro e artes, autor de Porão da Alma (2015), Colecionador de Tempestades (2017) e Manifesto da Manifesta (2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Isso varia muito, porque conforme os dias da semana acordo em horários diferentes. Dou aula duas vezes na semana, então acordo as 06h para me preparar. Nos outros dias, levanto as oito e começo o dia. A manhã é, talvez, a parte mais rotineira do meu dia. Compro pão, tomo chá e tomo iogurte. Águo as plantas. É um ritual. E nesses espacinhos de coisas, as vezes a escrita acontece, e aí eu guardo, anoto no bloco ou no celular e desenvolvo depois, ou nunca mais pego. As vezes acontece.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Minha relação com a escrita é muito fluída, uma vez que eu também trabalho com teatro, dou aulas e desenvolvo outros projetos culturais. Então, os horários de trabalho sempre variam, mas falando da escrita, o tempo que eu dedico é sempre o melhor horário. Se for de madrugada ou uma da tarde, vai sempre servir. Eu não tenho nenhum tipo de ritual, mas não começo do nada. Quando se trata de poesia, por exemplo, já começo a desenvolver pedacinhos que fui escrevendo durante o dia, ou versos que fico repetindo na cabeça. Estou sempre exercitando a escrita. Quando é algo direcionado, ou com um tema específico, aí o processo é outro. Começo reunindo referências numa folha de sketch-book e desenvolvo dali.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu vou escrevendo conforme o dia. Tenho momentos extremamente criativos quando estou na rua, por exemplo. Caminhando pelo centro minha cabeça entra em estado de profunda reflexão, e aí eu vou anotando num bloquinho que carrego. Como não dirijo, e me sinto bem assim, tenho longos insitght’s e vou anotando. As vezes finalizo ali mesmo, as vezes retomo em casa no mesmo dia ou alguns dias depois. Eu tenho a benção de me distrair muito, e isso sempre me leva para os melhores lugares possíveis.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sentar e experimentar. Se tratando de poesia – pois também escrevo textos dramatúrgicos, prosa e textos acadêmicos – é um processo muito meu. Como estou constantemente anotando coisinhas que vem a cabeça, as vezes eu as reúno e dou um início, amplio. Quando já é algo com uma temática ou direcionado, eu faço uma folha de pesquisa e vou anotando, escrevendo e procurando referências. Me rodeio delas e começo a experimentação. Eu poderia experimentar a vida toda, por isso me determino um certo período de tempo para ir ampliando e expandindo, após este tempo, é hora de finalizar. Acredito que a escrita é um jogo, um lance de dados, que eu poderia passar a eternidade jogando, mas não devo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu tenho muita sorte por ser tão distraído. Isso faz com que meus momentos mais preguiçosos ainda sejam produtivos de algum modo, porque vira e mexe sou atravessado por um pensamento criativo. Se tratando do medo, é algo que nutro uma relação muito saudável. Eu, felizmente, posso contar com pessoas maravilhosas que sempre me dão sinceras opiniões e isso faz o medo se transformar numa espécie de exigência ansiosa, mas a galera ajuda a confortar. Quanto aos projetos longos, eu adoro esta gama de dilatação do tempo. As vezes termino coisas faraônicas em segundos, as vezes termino coisas minúsculas em meses.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu leio meus textos pouquíssimas vezes. Sei que, de alguma forma, isso me prejudica. Mas por enquanto tem sido assim. Eu sento, escrevo e deixo. Retomo em outra hora ou dia, e faço algumas alterações se necessário. Quando tenho dúvida, mostro para amigas e amigos que sempre dão uma luz. Mas geralmente pouco reviso ou releio.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Varia muito. Meus livros estão todos em formato .txt mas isso não significa que foram escritos diretamente no computador. As vezes meu trabalho parte de uma colagem feita com recortes de outros livros, mas sempre de pequenas coisinhas que vou anotando durante o dia, seja no fiel bloco ou no celular.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acho que uma das minhas maiores virtudes é a distração. As vezes estou assistindo aula e começo a me perder dali e me encontro num lugar profundamente criativo. Lavando louça; parado no trânsito. Basta eu me distrair para me distanciar do agora, e me aproximar do nunca. Mas o que sempre recomendo é praticar a escrita, e como anoto durante o dia todo, isso vai aprimorando.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que se for olhar AGORA e HÁ 5 ANOS, tudo mudou. Mas eu vejo como um percurso, sempre produzi zines, tive blogs e afins, e toda essa trajetória é o meu compromisso histórico com a minha escrita. Se eu pudesse voltar no tempo e me dizer algo, eu teria me mostrado Os Mutantes (banda) mais cedo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Essa pergunta é um golpe baixo. Eu tenho muito prazer em fazer o que tenho feito. Acho que meus livros sempre proporcionam uma experiência legal, e gostaria de ler livros que baixam as calças dos cânones – com todo respeito – ou que viram a tradição de cabeça para baixo.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Eu escrevo porque não sei. As vezes parece que quem escreve sabe muito bem o que está fazendo – e talvez alguns realmente saibam. Mas eu não sei. Gosto deste não saber, que tem um gosto tão subliminar. Meus processos de escrita tem seus próprios amadurecimentos. Wlademir Dias-Pino disse que “toda liberdade é experimental”, então eu sigo experimentando, inclusive os processos. Recentemente, tive uma grande reviravolta nos processos. Antes eu fazia caderno de rascunhos, colhia referências, anotava. Hoje, estou dentro de um processo que pode se considerar mais “solto” destas coisas. E tem acontecido. Estou me permitindo descobrir.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Na verdade em função da própria profissão, as coisas vão acontecendo – e as vezes se atravessando. Também trabalho com artes cênicas e projetos culturais, então vira e mexe as coisas estão se encontrando. Gosto deste ritmo, mas também considero o descanso essencial.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Eu sinto vontade de escrever. Não quero descobrir a causa. Hoje, acredito que não faz tanta diferença. Escrevo e pronto. Nem tudo tem que virar livro. Acredito na escrita como ‘ferramenta para’ ser utilizada a nosso favor, a nosso pavor. É uma das possibilidades de sentir o que está acontecendo. Tentar organizar a partir de alfabeto, a partir de verbo, a partir de silêncio todos aquelas afetos – e efeitos – que estão acontecendo aos nossos corpos.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Eu vou experimentando. Geralmente quem estou lendo me influencia e eu gosto disso. Gosto de assumir as referências, sentir esses processos. Mas não me importo muito com um estilo próprio, na verdade. Isso vai acontecer, de um jeito ou de outro. Se escrevêssemos a mesma frase – ainda que fosse idêntica – cada um teria um estilo próprio. Sinto que há outras formas de percepção pra ler.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
O apanhador no campo de centeio de J. D. Salinger – porque as pessoas precisam conhecer Holden Caulfield.
Sob os ossos dos mortos – porque as pessoas precisam conhecer Janina Dusheiko.
Memórias de um Urso Polar – porque as pessoas precisam conhecer Toska, Knut e a sua avó.