Caetano Lagrasta é literato, ocupante da Cadeira Graciliano Ramos da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de S. Francisco, autor de obras jurídicas, poemas e romance.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho rotinas. Leio um jornal e faço anotações, mas tudo que escrevo é no espaço entre as 6 e às 17 hs. Depois das 5 da tarde, tudo, tudo mesmo, que escrevo ou tento escrever rasgo e jogo no lixo, seja lá o que for, não sei, perde completamente o significado e o texto parece embaralhado; nem paga a pena corrigir.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Quando a cidade ainda dorme; não há ruídos pela casa e meu cachorro fica tranquilo aos meus pés, um olho na esquina e outro no freguês, pois sabe que mais hora, menos hora, vai passear.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco todos os dias, em meu Caderno (neles escrevo, desde 1966, muitos dias em larga extensão, alguns anos sequer os abro e não posso, nem devo, alcunha-los de “Diários”, são Cadernos, esparsos, bissextos) e, de repente, desembesto a apostar corrida com o texto, seja poema, conto ou nos últimos oito anos, enveredei pelo romance adentro; nesses momentos apiedo-me de Adriana Aneli, minha esposa, e do Cebolinha, meu cachorro, pois não os escuto e nem passeio.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrevi livros jurídicos, desde os anos 2000 e fui compilando coisas e casos de minha vida de juiz, não do Interior, da Grande São Paulo. Tudo guardei na memória, menos a atualização da jurisprudência ou textos legais, que mudam conforme o vento. A última foi, em dupla coordenação, o “Dicionário de Direito de Família”, com aproximados 300 verbetes e um pouco menos de verbetistas e mais de 1000 páginas, editado em 2015 em dois tomos, pelas eds. Gen/Atlas). Em todos a pesquisa é exaustiva e nas questões de Família, há que se submeter ao “segredo de Justiça”, que impede acesso aos processos e dificulta o entendimento das leis.
Posso reafirmar que tenho método precário, mas que nesse último, contou com a produção executiva de Adriana, para ser concretizado, depois de três anos de profundo labor e cuidado com a vaidade alheia.
No mais, fico ruminando o tema, madrugada afora, a forma e a extensão; depois sento-me e vou em frente ou corrijo, corrijo, até à náusea, ou ao lixo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Todos os projetos foram desafios que me impus: ansiedade mais explicita chega quando começam os (des)entendimentos com o editor. Escrevi alguma coisa, por encomenda, mas sem medos ou temores. Felizmente, escrevo rápido e mal e meus livros de poemas, todos, foram em edições de autor; um de contos foi editado em Brasília pela LeCalmon, em seguida, outro de contos pela Scenarium, em edição artesanal e, no momento, um romance pela Desconcertos, de São Paulo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas, nem dá pra contar, e se não há um santo de guarda vou revisando e, principalmente, cortando, impiedosamente, até chegar ao tamanho mínimo e que entendo suficiente ao entendimento. Sim, não há como não o fazer. Às vezes de forma compensadora, os amigos arriscam indicações, cortes, ajustes; outras, percebo que sequer chegaram às primeiras páginas. Mas, insisto, sozinho é muita pretensão, e Adriana é a melhor e a mais rabugenta das críticas e, nada obstante, a tenho nestes últimos anos de nossa mais bela existência, quase sempre atendido.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Os Cadernos, todos, a lápis ou caneta; a partir do início do ano 2000, jurídicos, poemas e ficções, inicio, à mão e logo digito no computador – que aliás serve-me como máquina de escrever.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ideias vem do coração e este destila sentimentos e ódios; nunca esqueço a frase de António Maria (comentarista esportivo, poeta, compositor) que ao ter os dedos esmagados pela polícia de Carlos Lacerda, na manhã seguinte à soltura da prisão, escreve numa crônica a belíssima frase, que recordo, mais ou menos, assim: “Tolos, eles pensam que a gente escreve com as mãos”. Acredito que escrevemos sempre com o coração à mesa, ao lado da máquina, do caderno ou do computador: a gente o olha de viés e ele retribui retumbando.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A base é a leitura, a leitura, o estudo, de tudo que me caia às mãos: ciência, história, filosofia, política (ah, principalmente esta) e evidentemente coisas da profissão. Pouco mudei nesses anos; o que muda é o país, o governo, as pessoas – às vezes, recolhidas e medrosas; outras vezes, descontraídas e libertas. Acredito que voltamos a viver uma fase de esconde-esconde, antes que o lobo venha e nos prenda, torture e mate. Para mim eu diria: seus textos são fraquíssimos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Nunca deixei de ter projetos, agora, digito os Cadernos, em número aproximado de 30, alguns totalmente preenchidos, outros pela metade e assim vai. Cheguei próximo de 6 Cadernos e um total de 270 páginas em papel A4.
O livro ou livros que, com certeza, serão escritos por meus filhos e netos, não impedem que existam aqueles que nunca lerei.
Permito-me sugerir um acréscimo, respeitante à a prova do ENEM deste ano de 2018 e uma adivinha do que será o próximo, e tento responder:
Creio que a prova deste ano teve um tema de redação que corresponde à necessidade de compreensão é leitura para atingir um objetivo claro que é ser bem informado.
Mas, existem questões provocativas (p.ex. a de n. 37), que não caberiam numa prova em que milhões arriscam uma cartada para o futuro e podem sentir-se fraudados com a especificidade de contestação.
Por outro lado, não resta dúvida de que os próximos quatro anos vão trazer a Educação para um patamar de restrição total à discussão de temas que não esteja ao agrado do governante e seus epígonos. Exemplo mais próximo é o Direito de Família cuja perspectiva é a de enorme retrocesso.