Caco Pontes é escritor, autor de “Amorfo” (7letras, 2022).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
As manhãs costumam ser meus períodos mais lentos e contemplativos, muitas vezes quando não existem compromissos com hora marcada permaneço na cama por algum tempo, no intuito de tentar lembrar dos sonhos, inclusive adotando uma prática que tomei conhecimento certa vez, de permanecer na mesma posição em que o corpo despertou, de maneira a auxiliar numa melhor memorização. E após levantar costumo preparar meu desjejum, geralmente passo um café e ouço música. Com a chegada da pandemia passei a absorver alguns outros conteúdos, como palestras e podcasts.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Procuro me adaptar aos fluxos do trabalho de acordo com as demandas apresentadas em cada fase mediante projetos em andamento, buscando cumprir cronogramas em diferentes horários, o período noturno/madrugada costuma trazer um estado de espírito que me interessa, mas também me identifico com as tardes.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Meu processo criativo não tem um rigor ou disciplina diários, no sentido da escrita, mas ainda assim faz parte do cotidiano, pois as experiências que permeiam a vida e sua rotina se desdobram em inspirações que, para mim, passam por diferentes segmentos de linguagem, então quando simplesmente movimento o corpo através de alguma dança espontânea em casa, ou dou vazão a cantos acompanhando as músicas que embalam minhas trilhas diárias, estou sendo atravessado por elementos que constituem a atuação artística, pois minha autoria passa pelo corpo, voz, pequenos ritos e toda a sinestesia que me envolve de forma ampla.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Trabalho com motes, muitas vezes me ocorrem temas que surgem enquanto lampejos e passo a desenvolver a ideia, reflito sobre e procuro me conectar com o estado criativo, que varia entre o racional e o intuitivo. Muitas vezes sou atravessado por um fluxo que traz poemas inteiros de uma vez só, que posteriormente entram no processo de lapidação, reorganização, edição etc.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Cada vez mais tenho percebido que sentimentos oscilam entre altos e baixos. Insegurança e medo fazem parte da natureza humana, mas não me sinto completo refém disto, deixo passar e procuro transformar angústias em criação.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sei precisar quantas vezes ao certo, mas sem dúvida um bocado e ainda assim após publicado não faltam situações nas quais penso que teria mudado mais alguma coisa em determinados trechos. Tem criações que compartilho com outras pessoas antes de publicar em livro, seja de forma particular, postando nas redes, ou apresentando em performances, o tipo de trabalho que desenvolvo em torno da escrita está sempre em movimento, vivo e aberto aos testes e experimentos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Até algum tempo atrás costumava fazer anotações manuais, inclusive em guardanapos de bar, mas admito que a tendência de uns anos pra cá tem sido cada vez mais o uso do bloco de notas do celular quando pintam insights e no geral trabalho mais com arquivos de texto pelo computador mesmo, mas já tive fases de utilizar até máquina de escrever, além de que experienciei armazenamentos em disquete, cd-rom, conheci e me utilizei de diversos formatos, de acordo com cada tempo vivenciado e seus respectivos recursos tecnológicos. E na verdade me interessa bastante a utilização de diferentes suportes de mídia para a difusão de meu processo criativo, sejam digitais, considerados “modernos”, ou analógicos, pois já lancei discos do Baião de Spokens dando vazão para minhas criações literomusicais através de pen drives, fitas cassete e em breve meu primeiro vinil será lançado numa parceria com o Projetonave, um compacto reunindo poemas aos instrumentais da banda.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Tenho uma sensação que minhas ideias vem do inconsciente, algo entre a mente e o espírito, e no exercício da escuta e observação vou elaborando, desenvolvendo. Gosto de me alimentar das diversas manifestações artísticas, como música, cinema, teatro, artes visuais e a própria literatura, de forma que sempre estou cercado de referências, o que contribui para um estado de espírito estimulado para a criação. As atmosferas que me permeiam também tem influência, sejam urbanas ou bucólicas, além dos incômodos, de ordem social, existencial e psíquica.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Em breve será lançado meu quinto livro de poemas e considerando que o primeiro foi publicado em 2008 (sendo que antes disto já vinha desenvolvendo desde o início dos anos 2000 uma série de libretos artesanais que vendia no mano a mano, entre outros exercícios de escrita que desenvolvia com mais empenho na época, como texto teatral, roteiro de cinema, contos e letras de canção), neste processo de duas décadas dedicadas profissionalmente ao ofício sinto que naturalmente houve um amadurecimento em termos de linguagem, referências, aprofundando na construção, tanto de vocabulário, quanto de vivências pessoais, estabelecendo a construção de uma obra sólida e consistente, ainda que não tenha recebido prêmios ou forte reconhecimento de metier literato acadêmico, vejo um lastro que se dá em camadas mais populares, o que de fato me interessa, pois se minha poesia não se comunica com meu povo, não vejo sentido em seguir fórmulas para ser aceito em determinados círculos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho em mente alguns projetos de audiovisual (cinema/minissérie) e um livro com narrativa de ficção, embora me considere tão ligado à estrutura de verso que talvez minha prosa acabe virando poesia, fatalmente. Mas meu principal projeto de vida é subir no palco algum dia com Marina Lima e além disso pretendo realizar exposições — entre outros tipos de tributos para esta que é a musa maior — inclusive o meu livro novo que será publicado em breve é dedicado àela. Espero conseguir retomar também a organização de um livro de entrevistas do Itamar Assumpção esboçada, mas que por motivos de força maior estacionou e de qualquer maneira celebro o museu criado em sua memória, além da estátua inaugurada ao final de 2021 no bairro da Penha (SP). E um novo livro de Roberto Bolaño cairia muito bem!