Bruno Molinero é jornalista e escritor, autor de “Alarido” e “Férias na Disney”, ambos pela Patuá.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho um pequeno ódio pelas manhãs. Sei que um dia a gente vai se encontrar e fazer as pazes, mas a manhã sempre foi o período em que me sinto mais improdutivo. Por trabalhar em jornal, é impossível falar de rotina de escrita, principalmente de ficção. O jornalismo toma boa parte do meu dia e da minha capacidade de organização, enquanto a literatura tem um processo mais caótico. Meus livros nascem das brechas dos dias.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Geralmente à noite. Grande parte dos meus textos foram escritos nas madrugadas, com produção, revisão e edição até altas horas. Mas isso não quer dizer que eu não esteja “escrevendo sem escrever” a todo instante. De alguma maneira, mas sem qualquer ritual definido, sempre estou pensando no livro que estou escrevendo ou no próximo que virá. Qualquer parada, como o banho ou a louça para lavar, se torna um momento para afinar as ideias.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende muito. Se estou no meio de um projeto ou de um livro, pode acontecer de escrever todos os dias ou até de tirar alguns dias de folga para ficar só escrevendo. Mas pode ocorrer o inverso também. É comum passar longos períodos sem escrever nada –sobretudo quando estou entre um livro e outro. Prefiro demorar a fazer as coisas com pressa. Como escrevo nas brechas, não posso definir metas diárias ou planificar tanto o processo. Escrevo quando tenho algo a dizer, nos momentos em que consigo escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Antes de qualquer coisa, gosto de delimitar o projeto. Dificilmente começo algo sem ter isso definido. Meus dois livros têm recortes muito demarcados. “Alarido” é costurado por uma forma que se repete em todos os poemas, enquanto “Férias na Disney” gira em torno de um mesmo universo temático. Depois de definir as fronteiras do que vou fazer, aí o processo se impõe. Começo a revisitar cadernos e anotações antigas, fazer pesquisas e procurar leituras que possam ajudar, ao mesmo tempo que já vou anotando ideias e trechos, esboçando textos e embriões do que vai ser o livro no final. E cada nova leitura ou pesquisa modifica o que já foi escrito. É desse caldo que nasce o livro. Não me movo tanto da pesquisa para a escrita –é um processo contínuo e mais fluido.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que trabalhar em jornal ajuda nessa hora. Numa redação, é preciso entregar a reportagem, com inspiração ou sem, com travamento ou não. A escrita sempre destrava em algum momento. Como disse antes, principalmente no banho ou lavando louça. Nenhum dos meus livros teria sido escrito sem um sabonete ou uma panela suja.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas. Incontáveis vezes. Meu processo de edição é mais longo do que o de produção. Mexo, recorto, reviso, viro de ponta cabeça, mudo a ordem dos textos, retiro trechos, insiro outros. Na poesia, a revisão não é só caçar errinho ortográfico. É uma batalha para achar o melhor ritmo do verso, a melhor palavra, a melhor disposição do texto na página. E, mesmo depois de publicados, os poemas sempre estão passíveis de serem mexidos (muitas vezes, eles até desejam isso).
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Poesia escrevo em qualquer canto: no papel, no computador, no celular. É indiferente. Mas prosa é sempre no computador. Não consigo criar um texto longo e encadeado sem um editor de texto que permita inverter frases e parágrafos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Da observação dos outros. Meus textos sempre surgem de uma frase solta pescada na rua, uma conversa no metrô, uma história que um amigo conta, um tipo curioso que atravessa a rua ou da velhinha que puxa papo no elevador. Acho que essa foi a intersecção possível que fiz entre jornalismo e ficção. Por isso nunca ouço música nem uso fones de ouvido quando saio na rua.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Embora cada livro tenha as suas motivações, acho que o tempo vai gerando uma consciência maior do processo de escrita, que é muito intuitivo no começo. Isso tem o seu lado bom, porque essa consciência cria uma certa chatice que não deixa passar certas coisas que passariam antes –ou que nem seriam notadas. Mas ela também traz consigo a cilada ou o risco da perda de espontaneidade, do frescor ou até de uma inocência. Mas não diria nada a mim mesmo se pudesse voltar aos primeiros textos. O que foi feito está feito. É o que nos trouxe até aqui. Seguimos em frente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou?
Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?São vários os projetos ainda na fila. Mas tudo tem seu tempo. Já o livro que gostaria de ler certamente existe. Uma hora cruzo com ele por aí.