Bruno Amaral Machado é doutor em Sociologia Jurídico-Penal pela Universidade de Barcelona e professor do Uniceub.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim, tenho e gosto da rotina. As manhãs combinam com café. Sem ele não desperto. Impossível ficar sem o café. Quando minha agenda permite sempre inicio com alguma atividade física na academia. Faço meu treino e gosto de seguir à risca. A atividade física ajuda mentalmente. Sinto-me preparado para a jornada. Nem sempre posso incluir a atividade física pela manhã. Se não faço não me sinto bem; e pela noite não é a mesma coisa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meus horários preferidos para trabalhar são após as dez da manhã e início das tardes. Mas nem sempre posso me dar ao luxo de escolher horários; às vezes temos prazos, o fluxo de trabalho impõe a necessidade de ajustar as rotinas.
Com o tempo vamos desenvolvendo cacoetes e manias. Depende muito dos objetivos a alcançar com a escrita. Se é um relatório de pesquisa ou projeto editorial, com prazo, não há escolha. Devo sentar e cumprir.
Se há flexibilidade procuro também estabelecer meta, especialmente se a escrita é feita a dois ou em grupo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não gosto de ser pressionado pelos prazos. Assim, se há um compromisso procuro evitar deixar para a última hora. Não tenho meta diária, exceto se há prazo fatal. Nesses casos procuro avançar com antecedência naquilo que me sinto em condições e deixo as partes que demandam mais esforço para depois. Mas a pressão do prazo incomoda sim.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende muito do perfil da produção. O relatório de pesquisa supõe um roteiro programado e sabemos os protocolos para que preencha as condições necessárias para a escrita. Normalmente supõe a definição das atividades assumidas em grupo e a divisão de tarefas.
Quando preparamos um artigo ou livro o processo não necessariamente é o mesmo. Alguns textos foram elaborados a partir de pesquisas empíricas, o que supõe fases descritivas que não sugerem, em regra, grandes dificuldades, pois normalmente passamos por elas durante a pesquisa de campo. Mas há processo de construção teórica que supõe escolhas: a abordagem, o material a ser utilizado, o percurso a seguir para discussão dos dados.
Tratando-se de um ensaio ou estudo teórico o processo não é o mesmo. Usualmente eu reviso anotações, defino uma pergunta, penso na abordagem, possíveis leitores, revistas interessadas pelo tema. Nem sempre é fácil. Difícil avaliar o momento ideal para isso. Quando fazemos em coautoria acho que pode facilitar, por um lado. Dialogamos e acertamos a rota. Temos o compromisso de, dialogicamente, construir uma proposta. Por outro lado, isso supõe também uma negociação, o que nem sempre é fácil…
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho inevitável, em algum momento, enfrentar todas essas questões. As travas da escrita, isso é muito pessoal mesmo, indicam uma insatisfação com algum ponto do percurso estabelecido. Escrever é colocar uma palavra depois da outra; é um exercício nem sempre lúdico. Nem sempre a escrita é “liberar nossos demônios”.
Escrever como obrigação pode ser um desafio nada agradável. E não é raro na pós-graduação, quando você assume um compromisso, tem deadlines, imagina um auditório exigente, predisposto a apontar falhas na forma como você se comunica com o leitor, na construção das suas hipóteses, alguma falha metodológica ou problema inadequado. Tudo isso, entendo, atormenta a escrita.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sim, a revisão faz parte do processo. Sinto que às vezes estamos cegos em relação aos nossos textos, e um interlocutor é fundamental. O que seria de nós sem nossos interlocutores?
E é difícil bater o martelo. Mas é necessário. O que não significa que eu não seja autocrítico com meus escritos. Acho que sempre há uma maneira mais adequada de se exprimir um argumento. Mas acho necessário considerar que um escrito retrata também a nossa maturidade naquele momento.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Nem sempre tranquila. Recordo meu período de doutorado, iniciado em 2001, quando ainda tinha dificuldades para a escrita no computador; tentava organizar meus argumentos e apenas depois de definido o percurso passava ao computador. Mas atualmente apenas escrevo no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acho que a leitura é o manancial da criatividade. Nada melhor que o hábito da leitura constante, diversificada, sem censura. Creio fundamental sair da nossa zona de conforto lendo temas que em regra não são da nossa especialidade. Acho que a literatura também é lúdica: boa prosa e boa poesia ajudam muito; a literatura nos transporta por mundos imaginados e nos ajuda a desconectar das nossas agendas com atividades a concluir, prazos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Hoje entendo melhor as travas da tese. Escrever com deadlines, com a obrigação de ser original, criativo, tudo isso não é fácil. Hoje ao orientar dissertações e teses procuro entender tudo isso. Mas o próprio sistema tem seus mecanismos de controle que podem ser altamente opressores. Cumprir tarefas nos prazos estabelecidos para superar etapas e entrega dos trabalhos. Reconheço que tudo isso pode ser mentalmente estressante e gera muito desconforto.
Difícil dizer a quem tem uma tese a entregar que deve relaxar e conviver bem com as travas. A engrenagem requer a entrega de um produto em um prazo estipulado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Os projetos de pós-doutorado são importantes momentos e tive uma boa experiência entre 2011 e 2013. São flexíveis e se ajustam ao nosso timing. Tenho vontade de repetir a experiência para explorar as conexões entre arte, filosofia e pensamentos criminológicos. Tenho vontade de explorar o potencial das linguagens artísticas para comunicarem sobre temas de interesse criminológico. Definir uma metodologia para compreender como isso repercute nas instituições de controle do crime; como atua nas definições do que deve ser objeto de controle e sobre as agências de controle. Entender esse processo de tradução e de produção dos interdiscursos é um campo que me fascina.
Sinceramente existem tantos livros na minha lista que não tenho tempo para pensar em algum ainda não escrito.