Bruna Mitrano é escritora, desenhista e articuladora cultural.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Eu não diria preferir. Faço parte de uma “massa” que não tem essa escolha. Estou sempre com vários trabalhos, porque é assim que pago as contas, sendo uma mulher pobre e periférica no Brasil.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Não planejo. Escrevo nos intervalos. No trem, no ônibus, na fila do mercado. Passo muito tempo dentro de trens, desde os quinze anos, quando comecei a trabalhar. É uma vida isso. Uso para escrever, o tempo e as imagens. A primeira frase é aquela que me leva a anotar. Anoto em todo canto. Finalizar é sempre mais difícil, porque sou constantemente interrompida, “o trem chegou ao seu destino”. Tenho incontáveis começos guardados.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Gosto de silêncio, mas nunca tive. Sonho com um escritório desde que era criança. Tenho trinta graus de escoliose e dois nódulos inoperáveis na dorsal, além de uma placa de titânio na cervical, mas até hoje não consegui investir numa poltrona bacana. Escrevo com dor e isso não é nada poético, risos. A rotina nem sabe que eu existo. Curioso como tem tanta gente fugindo da rotina e eu só queria que ela me pegasse, para eu experimentar essa fuga. A vida caótica é boa, mas cansa depois dos 36 anos, risos. Inclusive, se você que está me lendo (gosto dessa contração oral, “milendo”, lembra lamber) quiser experimentar uma vida de fortes emoções na favela, troco de casa no ato, aqui o tédio é seu inimigo, risos.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Não vejo nada de anormal em não estar produzindo. A gente internalizou essa ideia capitalista de produção. Trouxe para a arte. De verdade? Acredito que todas/os/es estamos criando o tempo todo. É tanta poesia na cozinha, no banheiro, nas calçadas. A vida é pura linguagem poética. Ninguém deveria se torturar, entrar nessa espiral de culpa, por não escrever. Procrastinação é só uma palavra bonita e de rima fácil.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Estou segurando o meu segundo livro porque ainda não tive disposição para ir atrás de editoras e focar em divulgação, todo aquele movimento que uma escritora independente tem que fazer, mas confesso que me orgulho desse livro que nem existe ainda. É claro que dizer isso é um risco. A gente que é mulher não pode (é bem essa a palavra, porque tem a ver com dinâmicas de poder) sentir orgulho, não foi nos dado esse direito. Mas eu sinto. E não é aquele orgulho besta de achar que fiz algo bom, mas de saber que consegui fazer exatamente o que eu pretendia.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Falo daquilo que me afeta.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Publico os rascunhos nas redes sociais. Não tenho vergonha de mostrar meu processo. As reações ali são importantes para mim. Fico feliz quando o poema causa algum incômodo.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Em 2008, quando fiz um blog. Gostaria de ter ouvido duas coisas naquela época: “você não faz ideia do quanto é forte” e “o que você é e sobre o que você fala vão te excluir de praticamente todos os espaços de prestígio”. Eu teria ficado mais esperta, sabe?
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Eu nem sei se já tenho um estilo, mas não vejo isso como algo ruim. Estou começando e muitas autoras me influenciam.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Já faz um tempo que Memórias da Plantação, de Grada Kilomba, tem mexido comigo. Não é um livro de poemas, é a Tese de Doutorado da autora, mas me ajuda a pensar sobre poesia, arte, literatura…