Bruna Irineu é assistente social, professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Com o trabalho remoto, a vida mudou seu curso. Mas, de maneira geral sou uma pessoa notívaga, então só acordo antes das 9h00 nos dias que preciso estar em sala de aula na graduação. Como estou afastada para pós-doutoramento, tenho me despertado por volta de 09h00-09h30, em função dos meus três gatos, que demandam atenção e se esforçam para me tirar da cama. Antes mesmo de sair da cama, já abro as redes sociais para acompanhar as notícias do dia. Não é um bom hábito! Minha rotina varia conforme as demandas de trabalho do dia e da semana, me programo semanalmente, porque é uma forma que encontrei para fugir da procrastinação, nem sempre consigo… e eventualmente decido arrumar gavetas para fugir de alguma tarefa acadêmica, até que as vésperas dos prazos a “inspiração” vêm sob pressão.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu prefiro escrever depois das 19h00, porque minha concentração vai se ampliando aos poucos após as 14h00. Mas com a necessidade de circular conhecimento a partir da tentativa de produzir análises e conteúdos para redes sociais, tenho conseguido escrever pela manhã também. Como a escrita acadêmica está imbuída da necessidade de leitura, o horário vespertino e noturno também são aqueles em que apreendo melhor lendo. Meu ritual envolve a organização das múltiplas ideias, que tenho o tempo todo. Depois de organizar essas anotações, costumo arrumar excessivamente minha mesa de trabalho enquanto faço uma segunda seleção mental nessas ideias. Quando está tudo confortável, mesa, teclado, tela e cadeira na altura agradável, abro algumas abas, pastas e arquivos, separo alguns trechos de materiais fichados, resenhados ou anotados de maneira mais simples e os levo para o arquivo de word.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Costumo demorar para iniciar o texto em si, mas quando inicio tenho o péssimo hábito de seguir por mais de 8 ou 10 horas, com poucas pausas. Venho tentando alterar esses hábitos e “parcelar” mais esse tempo, dividindo em mais dias. E sem dúvida, tem sido a melhor decisão, pois a saúde precisa ser nossa primeira escolha. Mas é uma luta constante, algum prazo aperta e as vezes tenho recaída, acabo reproduzindo o comportamento anterior pouco saudável. Minhas metas são semanais, tenho dificuldade em uma rotina diária, entra choque com o meu ritmo intenso de criação.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu faço anotações em cadernetas, bloco de notas do smartphone e até mesmo guardanapos de restaurante, tudo que vejo, sinto e me toca vem com um turbilhão de ideias, nem sempre consigo executá-las. Estou sempre muito atenta aos periódicos da minha área de estudos para acompanhar o que está sendo produzido, as principais referências teóricas que estão circulando etc. Me parece fundamental ter uma noção do Estado da Arte do seu tema de interesse na sua área de conhecimento. Depois do ritual de inspiração que mencionei acima, já com várias abas e arquivos abertos, crio primeiro um sumário mental, que segue para o word como um sumário descritivo, planificando eixos de escrita, indicando autoras, textos e conceitos que vou utilizar em cada item deste “sumário”, buscando encaixar os dados do trabalho de pesquisa neste planejamento, de maneira que ela tenha ganhe uma boa forma exposição (figuras, imagens etc). Vou costurando a escrita em uma dinâmica que vai da minha posição de sujeito, passa brevemente pelo estado da arte do tema na área até uma mirada de análise conjuntural da realidade em xeque na análise temática que estou produzindo, buscando encerrar com indicativos e perspectivas para o tema do artigo, capítulo ou texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Faço terapia já algum tempo, com a pandemia sofri muito com a ampliação do tempo de tela, acúmulo de tarefas diversas, organização de eventos, cargo de coordenação, presidência de associação científica, sala de aula, orientações, tudo isso somado a necessidade e responsabilidade de escrever para socializar resultado de diversos projetos que desenvolvemos nesse período. Acabei precisando de ajuda médica especializada, por conta do stress e da crise de ansiedade. Mas nem nesses piores momentos lidei com travas superiores há 10 dias, acabo partindo para leituras diversas até que consiga dar o primeiro passo da escrita para destravar. Aprendi esse caminho no período de escrita da Tese de Doutora, quando após um longo tempo procrastinando, precisei dar conta do trabalho em um tempo bastante exíguo por conta do prazo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso todo tempo, vou reescrevendo a cada fechar e reabrir do arquivo. Ao final faço uma leitura geral para pequenos acertos. Costumo mostrar o texto para minha companheira, que sempre é muito generosa em sua leitura. Eventualmente compartilho com algum amigo para coletar opinião.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Faço à mão e no computador, as vezes concomitantemente. Mas com a pandemia tenho optado em me centrar mais no computador ultimamente, aproveitando da memória e da facilidade dos drives ou de programas como o Mendeley. Inevitavelmente quando estou em trabalho de campo, as anotações à mão no diário de campo, são mais comuns do que no celular, por exemplo. Minha relação com a tecnologia é de bastante curiosidade e interesse, tenho buscado alguns cursos e capacitações para me familiarizar mais com as inúmeras possibilidades que as TIC nos dão, mas com bastante atenção e cuidado em seu uso porque tem se tornado uma grande fonte de alargamento das desigualdades. Do mesmo modo que o aumento do tempo de tela tem nos colocado em um cenário de agravamento da saúde.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm geralmente de dores, desejos, prazeres e distintos afetos que me atravessam como sujeito político. Elas atravessam meu cotidiano e podem vir da necessidade de sistematizar demandas para tensionar por políticas públicas, dos dilemas atuais da organização coletiva dos movimentos sociais, questões cotidianas do ensino e da pesquisa na universidade, impasses dos feminismos hoje, das ações para desmoralização das instituições democráticas, dos ataques de ódio na internet, da má distribuição de renda no país, da realidade latino-americana que me interessa muito nos últimos 8 anos. Os hábitos que cultivo são ler notícias diárias dos principais jornais; acompanhar twitter, instagram e facebook; acompanhar as produções recentes nos principais periódicos acadêmicos da minha área de estudo (como também sou editora, acabo tendo acesso a muitas leituras em primeira mão); também coloco algumas palavras-chave de meu interesse no Google Alerts, o que me oferece notícias diárias daqueles temas mundo a fora; consumo cultura pop, séries, reality shows e filmes porque me ajudam no esforço de um conhecimento crítico engajado com a realidade social.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Na medida em que lemos mais, amadurecemos teórico-politicamente, a tendência é que nosso de vista também vá se modificando. E a escrita se altera e se qualifica a partir do exercício contínuo de escrever. Sinto que quanto mais escrevo, mais consigo compor um texto acessível para o público-alvo daquele texto e ao mesmo tempo sofisticado em argumentação. A escrita acadêmica tem uma etapa que é fundamental, mas que também é muito dolorida, que é a avaliação dos pares. É a partir desse passo que você construirá legitimidade junto a comunidade científica. Receber com avaliação de seu trabalho, pode ser muito dolorido, de modo que como parecerista devemos elevar essa responsabilidade ao seu sentido pedagógico para que evitemos um processo de aprendizagem violento; e enquanto autora em processo de avaliação é preciso entender esta etapa como momento fundamental, onde podemos crescer juntos enquanto comunidade. Meu processo de escrita também foi se alterando por conta desses ritos, a cada parecer com negativa ou com resposta positiva, a cada grupo de trabalho em evento partilhando pesquisas entre pares, aprendemos e nos reinventamos. Se voltasse nos primeiros textos diria a mim mesma: não tenha medo de ser avaliada, escreva, leia, escreva e submeta seu texto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu adoraria me concentrar na escrita de um HQ ou de um livro infantil, porque o projeto de escrever roteiro de documentário consegui desenvolver há alguns anos e era um desejo de longa data. Gosto muito da ideia de sair desse universo mais rígido da escrita acadêmica também, a música e a poesia seriam lindos projetos, mas um HQ ou um livro infantil me parece mais afinado com meus interesses, mais palpáveis em termos de projeto. Já o livro que eu gostaria de ler e ainda não existe… um livro que conte sobre como nós conseguimos derrotar Jair Bolsonaro nas urnas e o bolsonarismo no Brasil, tenho esperança de que os fatos se concretizem para que possamos além de escrever também inscrever isso na história.