Bruna Escaleira é jornalista, escritora e mestra em literatura pela USP, autora de “entranhamento” (Patuá, 2014).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não sou uma pessoa matutina. Quando acordo, demoro a despertar por inteiro e gosto de ficar em silêncio – até costumo brincar que meu casamento só dá certo, porque meu companheiro também é assim. Antes de minha filha nascer, tentava manter o hábito de meditar cerca de 20 minutos todos os dias antes do café da manhã. Agora, a rotina é outra. Acordo com ela me chamando e amamento. Depois, meu companheiro a leva para brincar na sala, enquanto durmo mais um pouco. Então, levanto e vou fazer o café da manhã para tomarmos juntos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor depois do café da manhã ou à noite. Mas depende do tipo de texto. As manhãs são mais dissertativas e as noites, poéticas e introspectivas. A poesia surge a qualquer hora e paro para registrá-la em qualquer lugar, assim que possível. Para textos de mais fôlego, apenas sento sozinha e em silêncio, respiro e escrevo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando era mais nova e a vida, mais simples, costumava abrir meu caderno de poemas e ideias literárias ou meu diário quase todos os dias antes de dormir e reler ou escrever algo. Hoje, faço isso com menos frequência, devido à loucura que é cuidar de uma bebê – apesar de a maternidade ter aberto um novo e incrível portal de inspiração. Mas nunca tive nem consegui manter metas, porque a escrita para mim é um processo muito orgânico e espontâneo. Só consigo planejar a produção de textos mais “racionais”, como os jornalísticos ou acadêmicos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Parto sempre de uma ideia ou imagem que acende alguma faísca e me instiga a descobri-la por meio das palavras. Não importa o tipo de texto, preciso dessa inspiração para começar. O resto se desenrola quase que sozinho. Os poemas surgem para mim como visões.
Um dia, escrevi: “O nascimento de um poema é como retirar um móvel – meio estranho, desajeitado – pelas fresta mutantes da mente, que não param de se mexer, não dão a mínima para sua empreitada. Como é impossível pará-las – ou morreriam, levando consigo qualquer verso em curso –, é preciso ter paciência. Aguçar os sentidos para acessar e permenecer na sua presença, até que termine de se formar e possa ser mais facilmente puxado para fora, ocasionando um parto orgástico. Êxtase que às vezes se repete quando os desníveis da linguagem se encaixam na cabeça de algum leitor, provocando, assim, suas faíscas”.
Inicio textos jornalísticos e acadêmicos da mesma forma, mas esses precisam de uma certa organização. Gosto de ter uma ideia do todo antes de começar e costumo elencar e ordenar tópicos a serem abordados, nem que seja apenas mentalmente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Como não tenho metas nem obrigações em relação à poesia, não me aflijo com os dias em que ela não me visita. Sei que, uma hora ou outra, ela vai voltar a me instigar a persegui-la até chegar a um poema, prosa ou qualquer tipo de produção que dê conta do que precise expressar.
Já para trabalhos jornalísticos ou acadêmicos mais longos e com prazos determinados, busco organizar a estrutura do texto antes de começar e escrever uma parte de cada vez. Desde que sou mãe e meu tempo se tornou escasso, não posso me dar ao luxo de procrastinar. Quando tenho tempo para fazer um trabalho, mas não estou muito inspirada, escolho escrever partes mais explicativas ou descritivas, que peçam menos criatividade. Tento não julgar tanto o resultado e apenas adiantar o trabalho. Quando me sinto mais inspirada, releio e reescrevo o que for necessário.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso algumas vezes, mas não costumo fazer grandes alterações. Sinto que as palavras que chegam com o impulso da primeira escrita, geralmente, são as mais certeiras.
Costumo mostrar meus trabalhos a algumas boas amigas com quem compartilho aventuras literárias e também ao meu companheiro – que sempre lê com atenção, ainda que seja bem “de exatas” – antes de publicá-los.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre preferi escrever à mão, principalmente poesia ou relatos pessoais e ainda mantenho cadernos e diários. Mas para textos de trabalho e mais longos, hoje, prefiro digitar direto no computador. Com a loucura do dia-a-dia com uma bebê, acabo anotando muitos poemas e ideias no bloco de notas do celular também.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Acho que elas vêm do meu subconsciente, das águas profundas do meu ser. A escrita, para mim, tem muito a ver com o corpo, é algo visceral. Então, se estou fisicamente saudável e ativa, costumo escrever mais e melhor. Yoga, meditação, dança e sexo são maravilhosos condutores de ideias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Aprendi que a escrita é algo intrínseco à minha maneira de me relacionar com o mundo. Está sempre comigo e não preciso de nada para escrever, nem de suporte. Papéis ou telas são algo posterior, para registrá-la.
Com o tempo, aprendi a me organizar melhor, sobretudo, para produzir trabalhos mais longos. Mas se pudesse dizer algo à Bruna que rabiscava cadernos desde antes de aprender a escrever, seria: “escreva tudo o que tiver vontade de expressar, como souber escrever agora, porque a intensidade de cada momento é única e não volta”.
É claro que acho muitos textos que escrevi na infância, adolescência ou até na semana passada ruins. Mas não sinto vergonha de nenhum deles, nem dos guardados nas gavetas, nem dos publicados, porque são registros de quem eu era em cada um daqueles momentos e não precisam nem podem abarcar quem sou hoje ou quem serei amanhã. Minha escrita é mutante como eu – ainda bem!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho o projeto de escrever um livro que gostaria de ler e que ainda não encontrei sobre a ansiedade, enquanto transtorno psiquíco que afeta tanta gente – inclusive eu, é claro – neste mundo hiperartivo, hipercapitalista e hiperconectado. Um livro que misture relatos pessoais, informações cientítificas e poesia. Afinal, a escrita e a leitura são minhas boias salva-vidas para superar qualquer crise.