Berenice Sica Lamas é psicóloga, escritora e oficineira de escrita criativa.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim, em três dos dias da semana, depois do café da manhã, inicio com ginástica e dança. Nos demais, direto com leitura e escrita ou algum outro compromisso.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pela manhã. Tenho ritual de preparar papel, lápis, caneta, apontador, borracha e ingredientes p/ chá e/ou cappuccino. Os dicionários ficam na estante às minhas costas, gosto dos dicionários físicos (analógico, de rimas, de português, de sinónimos e antónimos, de ideias semelhantes, de símbolos, de mitos literários, de línguas). O computador também fica a postos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tem uma resposta fixa. Depende muito do que está acontecendo na vida naquele momento, se estou preparando um livro, é mais concentrado. Como rotina, é mais pela manhã como já falei acima. Não tenho metas. Mas também à noite pode ser muito produtivo. Muito relativo tudo isso. Depende também de períodos de trabalho mais intenso ou não, nos quais escrevo menos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não, eu me sento e escrevo, com notas ou sem notas, com ideias surgidas ou não. Geralmente já com ideias anotadas, ouvidas, vistas, lidas, sentidas.
A pesquisa não é necessariamente antes, comigo acontece muito de ser ‘durante’. A dúvida e a incerteza surgem e eu penso: “bah, tenho que pesquisar isso”.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu vou passo a passo. Não costumo ser procrastinadora, e já aprendi há muito tempo a lidar realisticamente com as expectativas, sejam minhas, sejam dos demais. A ansiedade é bem controlada, embora minha cabeça às vezes esteja à frente das possibilidades físicas; acontece de eu estar já na fase do computador, e vou anotando coisas ao lado, no papel, pois as coisas se derramam, transbordam.
As associações e conexões podem ser muito rápidas, avassaladoras.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Bastante, sou bastante cuidadosa quanto a isso.
Mostro somente para o/a revisor/a oficial, às vezes mais de um, dependendo da editora. Para familiares ou amigos/as nunca.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é ambígua: tenho dificuldades, sou da geração lápis e papel. Mas aprecio as facilidades, a rapidez e atalhos que ela proporciona.
Escrevo à mão e depois passo para o computador. E já serve como revisão, já posso aperfeiçoar alguma coisa nessa passagem.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Vêm de estímulos internos: minha memória, meus afetos, minha mente, meus conhecimentos, imaginação, experiências, vivências, pensamentos, sentimentos e emoções… tento sempre acionar o pré-consciente, deixá-lo fluir, essa fonte quase inesgotável dentro de nós.
E de estímulos externos: dos outros sobretudo, frases e palavras que escuto, que leio, fatos que presencio, coisas que leio, prosa, poesia, é impressionante tudo que pode se tornar literatura, penso q os outros não acreditariam, um fato de jornal, uma reportagem de revista, fatos sociais e políticos, a natureza, a música, o cinema … um espetáculo cultural qualquer, a biografia de uma pessoa, uma palavra. Enfim, o mundo aí está para o lermos, interpretarmos e escrevermos. Levo um caderninho e já estou acostumada a anotar no escuro do cinema, por exemplo.
Tenho o hábito de sempre levar bloquinho e caneta comigo. Anotações, lembretes são preciosos. Não viver para escrever, porém escrever para viver. Viver é muito importante, não ficar enfurnado/a em casa só escrevendo, isso não funciona. Viver, viver. Ser e estar no mundo.
Manter a vitalidade, o interesse, a energia, a imaginação, o vigor intelectual, a mente aberta – as ideias nunca acabam.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Penso que agora estou mais profunda, mais reflexiva. Inclusive meu último livro de crônicas ganhou um prémio importante este ano no RGS.
Diria: “começaste bem, segue em frente, mais adiante estarás mais madura, e isso será muito bom”. “Será o legado para filhos e netos”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu próximo projeto – já se encontra levemente esboçado – é elaborar, compilar uma antologia/coletânea de meus próprios poemas de todos os meus livros de poesia já publicados. 7 ou 8 poemas de cada livro e alguns inéditos. Talvez para 2019 ou 2020.
Gostaria de ler algum livro de Jorge Luis Borges que encontrariam inédito em seus pertences ainda escondidos.