Bel Quintilio é escritora de terror, pesquisadora e revisora formada em Comunicação e Multimeios pela PUC-SP.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acho que começo o meu dia de um jeito bem normal! Acordo, preparo algo para comer, termino de me arrumar e já sento para trabalhar – faço home office. Como eu já fui uma pessoa muito ansiosa, principalmente no trabalho, tento manter uma rotina diária. Isso me ajuda na hora de organizar o meu tempo e me deixa mais tranquila. Por exemplo, atividades que são mais urgentes ou que exigem maior atenção costumo fazer de manhã. Deixo para depois do almoço coisas que posso fazer com um clima mais descontraído, geralmente ouvindo música, e finalizo minha rotina, já no finalzinho da tarde, indo na academia. Praticar exercício físico tem me ajudado a aliviar o estresse e a relaxar. Também gosto muito de fazer meditação, então desde que começamos 2022, estou reorganizando o meu dia a dia para incorporar alguns minutinhos na tentativa de acalmar a mente.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sempre fui matutina. Eu era aquela criança que acordava para ir para a escola antes do despertador tocar! Mas sinto que também trabalho muito bem à tarde. É só de noite mesmo que meu desempenho é bem menor. Até faço uma coisa ou outra quando preciso, mas na manhã seguinte com certeza vou rever o que produzi. Quanto à preparação para a escrita, já tive alguns rituais. Teve uma época em que eu lia pelo menos algumas páginas de um livro que eu gostasse muito para me inspirar antes de escrever. Depois, usei a técnica de ouvir música para entrar na vibe da história. Quando eu sentia que acontecia, desligava o som – não sei escrever ouvindo música! – e partia para a escrita. Também já tive o hábito de queimar incenso e de meditar. Hoje em dia não tenho nenhum ritual específico, faço o que a história pede. Nesses últimos dias têm sido ouvir música, escrever em tópicos o conteúdo do capítulo e depois, no silêncio, desenvolvê-lo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Gosto de escrever um pouco todos os dias porque, de uma maneira geral, minha rotina permite. Mas quando o volume de trabalho é muito grande e não consigo, não me martirizo. Recentemente, eu li que ter ideias para suas histórias e anotá-las também é escrever. Afinal, esse momento faz parte da construção de um romance, de uma novela ou de um conto. E eu concordo totalmente com isso. Já fui muito encanada com o meu ritmo de escrita. Eu costumo levar alguns anos entre começar a trabalhar em um ideia e vê-la transformada em uma história finalizada. E isso me fazia sentir menos escritora por achar que eu não era rápida o suficiente. Por conta disso, me colocava metas malucas como escrever um capítulo inteiro por dia – nessa época, meus capítulos ficavam grandes –, ou então o mínimo de 3 mil palavras. Isso para mim não funciona, só me trava. Precisei parar várias vezes, respirar fundo, e abraçar o fato de que cada um tem o seu próprio tempo para trabalhar. Hoje, minha única meta é escrever um pouco de cada vez, quando o trabalho permite.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Um dos motivos pelo qual levo tanto tempo para desenvolver uma história é porque gosto de ir por partes – muitas partes! Sempre que tenho uma ideia inicial, anoto no meu caderninho e deixo que ela vá se desenrolando aos poucos. Os detalhes vão surgindo devagar, com o universo da narrativa se construindo na minha mente. Esse processo varia bastante: pode fluir em poucas semanas, como aconteceu em Mûrier – meu livro mais recente, que ainda vai ser lançado –, ou pode durar meses, como vem sendo com a nova história que estou escrevendo. Quando sinto que reúno ideias o suficiente, faço uma pesquisa muito breve sobre o gênero e algum aspecto principal da história. Só para ter um ponto de partida. E então escrevo o primeiro rascunho. Normalmente nessa parte, são muitas escritas. Começo a escrever, alguma ideia nova surge, recalculo a rota, paro, começo de novo, e assim vai. Gosto fazer assim porque é um momento em que vou experimentando a história e as personagens. Enquanto isso, consumo livros do gênero para aprender estrutura, pontos-chave e para me inspirar. Deixo o ritmo fluir, sem me ater muito com o que está bom e o que não está. Eu só tenho como realmente conhecer a minha história depois que ela foi contada. Feito isso, com uma visão fresca e completa do que quero narrar, aí sim faço pesquisas encorpadas e profundas sobre o que vou trabalhar na obra. Procuro sempre fazer essas pesquisas o mais completas que posso. Esse é um processo que também costuma levar meses, então aproveito para me afastar do que escrevi. Isso me ajuda a ter uma visão mais crítica das ideias que estão no texto quando volto para ele. Informações reunidas, completo o questionário maravilhoso que a escritora Cláudia Lemes oferece no primeiro módulo do seu curso intensivo para autores, o Bold. Ele ajuda a dar um belo norte para a próxima etapa do processo de escrita. Mas se por acaso você não tem esse formulário, está tudo certo também! Analise a sua história: quais são os principais acontecimentos que ela vai ter; quais serão os conflitos; qual é o tema; quem são suas personagens e o que, efetivamente, você quer passar com a obra? Depois disso anotado, parto para a reescrita. E para mais uma em seguida. Vou reescrevendo cada vez mais consciente do que existe na minha história e qual é o meu objetivo com ela. Só depois de tudo isso, quando acho que a narrativa já está bem encaminhada, é que passo o texto para uma amiga que conhece a história do começo ao fim. Uma vez que ela me diz o que achou, sigo para mais uma reescrita de lapidação, antes de finalizar o texto e entregar para os leitores betas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Aprendi que o bloqueio criativo é um visitante muito chato, mas que geralmente vem me alertar sobre dois pontos importantes: ele está ali porque não planejei bem a minha história; ou porque estou deixando meu medo de falhar ou a minha ansiedade, falarem alto demais. Como minhas ideias costumam me levar para romances e novelas, ao invés de contos e microcontos, não sofro com a ansiedade de me ver em projetos que exigem fôlego longo. Na verdade, amo a ideia de que vou ter tempo o suficiente para desfrutar bastante daquela narrativa. Alguns anos atrás, quando sofri muito com as travas na escrita, elas geralmente eram causadas por falta de planejamento. Esse lance de escrever uma história e publicá-la no formato de um livro era novo para mim. E como os cursos de escrita ainda não eram tão abundantes, foi tudo na tentativa e erro. Depois que aprendi sobre planejamento e pesquisa, construir a estrutura da história ficou mais fácil. Hoje em dia, os bloqueios que mais me pegam vêm por medo de errar. É uma vozinha que fica lá no fundo, me questionando sobre minhas ideias, se minha história é realmente cativante ou não, se é boa ou não, se as pessoas vão gostar ou não… Ou seja, é a tal da autossabotagem. Quando isso acontece, procuro sempre me lembrar de que um primeiro rascunho finalizado, com todos os seus milhões de erros, é muito melhor do que não ter escrito nada. Um dos pontos mais incríveis sobre ser escritora é o fato de poder errar quantas vezes forem necessárias, porque posso consertar meu texto diversas vezes antes de publicá-lo!
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Bem, deu para ver que eu faço muitas e muitas reescritas, né? Haha Não tem um número exato, reescrevo o texto várias vezes até eu achar que a história está mais próxima do que está na minha cabeça. Tenho uma amiga que também é a minha mentora de escrita. Conto para ela tudo o que eu tenho em mente para a história e vou deixando-a atualizada de acordo com as novas ideias que vão surgindo. Muitas vezes ela também me dá sugestão de conflitos, desenvolvimento de personagens e outros detalhes. Estamos sempre bem alinhadas quanto a isso. Dependendo do meu processo de escrita, entrego capítulo a capítulo para ela, recebendo seu feedback enquanto construo a narrativa. Ou então – o que vem acontecendo com mais frequência – escrevo tudo, reescrevo várias vezes, e só quando eu acho que está bom, passo o texto para que ela leia. Depois dessa etapa devem vir mais uma ou duas reescritas, trabalhando com as alterações que ela propuser. Ela faz a segunda leitura e, com ambas chegando à conclusão de que a história está finalizada, encaminho o texto para os leitores betas. Daí eu faço as últimas alterações que eles sugerirem.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Já gostei muito de escrever à mão, principalmente quando era mais nova. Isso me fazia sentir mais íntima do texto e me deixava relaxada durante a escrita. Hoje em dia, consegui transferir essas sensações para o computador. Acho mais rápido e mais confortável escrever direto no Word, construindo os tópicos dos capítulos, desenvolvendo-os em seguida. Mas ainda mantenho minhas anotações todas à mão. Sejam elas de ideias ou de estudos e pesquisas. Quando não tem como, anoto tudo em um e-mail e envio para mim mesma, acrescentando às minhas anotações depois.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não sei dizer muito bem de onde vêm minhas ideias. Elas podem surgir de qualquer lugar. A ideia que tive para o meu primeiro romance, por exemplo, nasceu enquanto eu lia um artigo sobre cidades abandonadas. Um conto que eu escrevi logo depois disso veio de uma matéria que eu tinha acabado de ler sobre testes em animais e os maus tratos que esses bichinhos sofrem. Meu livro mais novo nasceu de uma música; o que estou escrevendo nesse momento surgiu de uma conversa que tive com uma amiga; e um que ainda pretendo escrever nasceu de uma frase que eu ouvi. Acho que não existe um lugar certo de onde as ideias nascem. Elas estão por aí, à espera de uma deixa para se embrenharem na nossa mente e começarem a germinar. O que faço é manter esses dois hábitos: estar sempre o mais atenta possível para recebe-las; e anotar tudo o que passa pela minha cabeça, que me chama atenção. Nunca se sabe quando essas anotações serão úteis!
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com certeza, o que mais mudou no meu processo de escrita foi o respeito que aprendi a ter pelo meu ritmo de trabalho. Como eu disse, já sofri muito com isso. Por achar que eu era lenta demais e escritora de menos por não conseguir finalizar um texto em um período de tempo que grande parte dos escritores conseguem. Eu colocava muita cobrança e muita pressão em mim mesma por causa disso, o que gerou diversos bloqueios que, por sua vez, só me frustraram ainda mais. Hoje, eu consigo controlar melhor isso. É claro que um surto ou outro ainda aparece no meio do processo, mas tenho mutado cada vez mais essa voz da autossabotagem. Se eu pudesse voltar alguns anos até aquela Bel que estava começando a se aventurar no mundo da escrita, diria a ela que cada história tem seu próprio tempo de amadurecimento. E o melhor a fazer sobre isso é relaxar e aproveitar, deixar história ir se contando no seu próprio ritmo. Quando for o momento de ficar pronta, ela ficará!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Hoje mesmo terminei de escrever o primeiro capítulo do meu novo livro – que ainda está no processo de rascunho –, então, finalmente comecei o projeto que eu tanto quero realizar, mas que estava enrolando um pouco. Por mais que você queira muito escrever aquela história, é sempre um pouco estranho pisar em território novo. Explorar cenários, conhecer personagens… Eu estava tomando coragem e esta semana aconteceu! Quanto ao livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe, bem, acho que é isso o que sempre sentimos quando começamos a desenvolver uma narrativa nova, né? Você lê vários livros, assiste filmes, séries, até se arrisca nos games, mas acaba pensando: curti muito esse gênero/tema, mas queria uma história em que isso acontecesse desse jeito. As ideias começam a surgir e é aí que a mágica acontece! Por isso, digo que este livro é o livro que eu estou escrevendo!