Barulhista é escritor e artista.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho, quase rígida, até: caminhada, café, cigarro, leitura, uma gravação de áudio, daí vem caderno e caneta tinteiro. Faço algumas pausas durante a escrita para mudar a música ou fazer mais café. Escrevo tudo em papel e depois passo para o computador. A caminhada ajuda a colocar as ideias no lugar, o café ajuda a bagunçar tudo de novo. Tem dias que provavelmente tudo que eu escrevi acima é mentira.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acordo cedo já pensando em escrever. Sou mais de pegar a caneta e sair escrevendo, no meio do caminho aparecem ideias para outros capítulos, então anoto no meio do caminho mesmo, só depois organizo. Desde que desisti da poesia escrevo de manhã, antes era a madrugada. Não consigo escrever com silêncio, tem que ter algum ruído, música ou conversa enquanto trabalho num texto, já andei gravando conversas de anônimos em filas de supermercado para ouvir enquanto escrevo. Nunca preparo nada, durante a escrita quero ser ‘livre como um táxi’ como dizia o Millôr.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias durante toda a manhã, a quantidade depende muito da minha outra ocupação no estúdio de composição de trilhas sonoras. Minha concentração é anárquica, passo 20 minutos vendo um filme e já pulo para um livro ou uma fotografia. Escrevo meu romance sem planejamento e a única disciplina é escrever todos os dias. Não tenho meta, mas considero um dia em que escrevo 6 páginas, em um caderno com pauta tamanho A5, um dia útil.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Minhas anotações já são texto, são longas e confusas, por isso preciso estruturar enquanto escrevo para não virar pedaços de memória perdida. Outra ação importante é ler o que escrevo em voz alta, não sei se isso vem do meu trabalho como compositor de trilhas sonoras, quando as palavras se tornam sons melhoram a compreensão de seus significados. Gravar essa fala também é algo que faço, não guardo essas gravações por muito tempo, mas são úteis durante a escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tenho pouca experiência com as travas, já tive empregos muito ruins e isso fez com que uma certa compulsão por arte se desenvolvesse em mim. A ansiedade aparece depois que termino, ansiedade para publicar, reler, conversar sobre arte. Eu sou estritamente profissional na música, na escrita sou um escritor recreativo. Ainda assim, não suporto a ideia de que exista alguém pior que eu.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso menos do que deveria, por sorte tenho colegas que me auxiliam nessa tarefa, mas gosto de reescrever. O mais engraçado é que eu gosto de revisar o texto dos outros, principalmente quando sou convidado para revisar, aquela leitura atrevida de procurar os descaminhos das pessoas que escrevem e dizer: meu deus, eu nunca faria isso! Mantenho um grupo no whatsapp de pessoas de diversas áreas que me dão um retorno muito rápido e sincero da impressão que tem do que escrevo. No fim é o meu filtro mesmo que guia a coisa toda, escrevo livros que eu gostaria de ler.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Por eu trabalhar também com música e ter o computador como principal instrumento musical, pouca gente imagina que eu escreva sempre à mão. Mas é assim mesmo, o tal caderno A5 com caneta tinteiro. Meu problema mesmo é parar de escrever, escrevo muito com os ouvidos, gente é como música, só existe se você escuta. No fim das contas tudo, música e escrita, existe antes na minha mente. Minha tecnologia é o pensar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Tenho a sorte ou o azar de crescer numa casa muito criativa, de música à pintura, sempre se falou e se fez arte na minha infância. Talvez esta seja a causa da minha inquietação imaginativa. Anoto pequenas frases que nem sempre entram no meu romance, funciona quase como um sampler: coloco a frase ali e parto dela, sendo minha ou não, quando penso que o capítulo está pronto retiro a frase. Que os freios de mão não me escutem, as ideias vêm de pontos diversos, dos momentos que vivo, alguma história que me contam, mas principalmente da música. Por exemplo: porque não tem cinto de segurança para os passageiros do ônibus? Os chineses tem uma frase ótima, uma ideia vale mais que mil palavras, o difícil é dizer isso sem usar nenhuma palavra.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou tudo. Mudei da poesia para a prosa, do computador para a caneta, da publicação em blog para o papel, agora aos 40 anos de idade sinto que escrevo sem culpa de que os assuntos são disparados por motores diferentes de antes. O que acontece é que quando escuto um som ou vejo alguma forma, tudo se organiza de uma maneira literária e isso é muito gostoso de perceber. Fobia de explicação, quando sento para escrever vem essa organização numa cachoeira de palavras, escrever se torna algo delicioso. O que eu diria a mim mesmo: não existe certo e errado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Que delícia de pergunta: gostaria de escrever um livro infantil sobre os sons, gostaria também de escrever um zine de contos baseados em frases de porta de banheiros públicos, escrever um livro no formato de biscoitos da sorte e um audiolivro gravado numa viagem de São Paulo à Minas Gerais. Quase todo ano eu leio o Grande Sertão: Veredas, penso que é o livro que eu mais li e que eu mais gostaria de continuar lendo. Contragosto, gostaria de ler a biografia do filho que nunca terei.