Bárbara Lia é poeta e escritora paranaense.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo. Após o café da manhã tento me inteirar das notícias. Meus dias não são iguais, mas tem em comum este fio que trança a realidade que te puxa com o mundo íntimo onde as histórias nascem e os poemas se revelam. Estou sempre escrevendo um livro, e por isto sempre penso nele quando acordo. É uma rotina solitária, os filhos estão longe ou vão para o trabalho. Gosto deste início silencioso das manhãs. Sempre um pássaro fazendo uma serenata… E assim a vida segue…
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Prefiro escrever nas manhãs. Já percebi que quando passo um tempo com alguma dúvida sobre o enredo de um romance em uma bela manhã acordo tendo epifanias. Muitos poemas nascem nestas primeiras horas do dia, mas poemas não tem esta predileção pelas manhãs, eles chegam sem hora marcada. Poemas são diálogos em varandas metafísicas, pois desde menina minha vida é dentro, pura ânsia de penetrar mistérios, embasbacada com as belezas do Universo. Sempre penso que escrever poemas é a forma que encontro de narrar o encanto e o espanto de estar viva. Não tenho rituais. A única coisa que necessito é silêncio.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Nunca tracei metas rígidas, às vezes tento concluir um livro para tentar enviar a algum concurso, mas não é algo que se coloque como uma obrigação. Escrevo pela urgência de dizer algo. Quando começo a escrever um novo romance é um ofício diário. Não gosto de me afastar por muito tempo para não perder o fio da narrativa. No entanto, já escrevi livros em tempos imensamente distintos. O que escrevi em um tempo mais curto foi em apenas um mês, bem no estilo “On the Road”,um romance inédito que escrevi ano passado. O que demorei mais tempo para escrever: “As filhas de Manuela”. Dez anos entre a primeira linha e o término da história, este foi atípico e eu me ausentava dele e depois voltava.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrevo quando uma personagem “se apresenta”. Isto parece uma coisa mística, mas não é. É apenas misteriosa. Cada romance meu nasceu de uma forma, por isto não há uma forma simples de explicar. Apenas meu livro “Solidão Calcinada” eu pensei de forma antecipada e o escrevi com o propósito de, digamos, penitenciar-me por ter acreditado que os jovens estudantes do tempo da ditadura eram terroristas. Acreditei nas notícias que ouvia na infância e também em meu pai. Ele era minha biblioteca viva, e me ensinava muitas coisas. Era também extrema direita e fez parte da Ação Integralista Brasileira. Eu já era adulta quando li a realidade daqueles dias, sangrei noites ao saber tudo o que aconteceu no Brasil. Uma angústia se apoderou de mim. Esbocei um primeiro romance que não se sustentou. Era a tentativa, um dos primeiro relatos que batuquei na velha máquina Remington em um inverno gelado. Um amigo leu e ajudou-me a penetrar o espírito da época, ele emprestou-me uma infinidade de romances e biografias. Li mais de trinta livros. Mas a ideia não surgia. Eu queria falar sobre os jovens estudantes que morreram, ou desapareceram, ou foram embora do País. Eles não eram “terroristas” como eu ouvia na infância. Só em 2004 escrevi “Solidão Calcinada”, que inicia com a personagem jornalista desvendando, ao acaso, seu próprio passado. “Constelação de Ossos” nasceu de uma única frase que veio a mim ao acordar: “sonhei com o anjo d’água”. Pensei que escreveria um poema. Naquela manhã eu me preparei para escrever um poema e comecei a escrever uma novela. A ideia para as “As filhas de Manuela” surgiu em uma viagem que fiz até a “Ilha do Mel” em 2004. “Não o convidei ao meu corpo” iniciou como um diálogo com o Paul Klee, em 2013 quando eu estava mergulhada em sua Arte descobri que ele foi atacado pela esclerodermia, a doença que o matou. Comecei tecendo similaridades, por sermos duas pessoas que viveram até os cinquenta anos de forma saudável e súbito tudo muda por conta de algo que interfere drasticamente em sua saúde. Escrevia pequenas crônicas e com o tempo comecei a tecer um romance. Este livro é autoficção, o único ao qual emprestei experiências reais.
Geralmente eu realizo a pesquisa conforme um tema se apresenta e passo muito tempo mergulhada em leituras. O verão que passei lendo poemas de Fernando Pessoa frutificou em um diálogo bonito com seus heterônimos em forma e sonetos. A poeta que mais me seduziu foi Emily Dickinson. Tem o inverno com Borges e a primavera com Rimbaud. Tudo isto gerou muita poesia. Também vivi – o ano de Chopin – quando escrevi um romance que está ainda na gaveta. Amei Chopin e sua vida. Longas manhãs ouvindo sinfonias, lendo livros sobre sua vida, para compor a vida de mulher que dá aulas de piano. É tão complexo escrever um livro, você precisa usar esta sensibilidade artística para viver vidas que nunca imaginou. Tentar tirar das pedras de uma cidade o que ainda exala de um século distante. Tudo é bonito. Ainda recordo as sensações que vivi em Paranaguá quando quis conhecer lugares possíveis para uma cena em 1839. Entrar na Igreja de São Benedito e pensar – Manuela esteve aqui. Ir e vir da Ilha do Mel, escrever ficção traz a reboco a liberdade poética, mas é preciso – também – saber sobre a História do Mundo.
Minhas anotações são caóticas. São apenas sinais ou uma espécie de rota que preciso para dar partida e começar a escrever o livro. Não faço desenhos, adoraria saber desenhar para criar cenários e traçar os personagens no papel. Traço uma linha do tempo, o tema, e em alguns livros o roteiro inicial é totalmente alterado pela força de alguma personagem.
Eu sou caótica e isto se revela quando escrevo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Estou passando por um período sem escrever muita poesia. Eu não diria que é uma seca criativa, pois estou escrevendo um romance. Mas eu sinto um estranhamento enorme quando a poesia se ausenta, talvez o momento que vivemos torne tudo árido, por isto eu preciso ler poemas para não secar a beleza dentro. Não sei se isto é uma – trava da escrita. Acho que a escrita é minha forma de entender o mundo, por isto eu não consigo ter medo de – não corresponder às expectativas – eu não poderia dizer algo além do que disse, digo ou direi. O que tento é dizer de uma forma melhor, e sem pressões. Tento escrever dentro de uma Liberdade possível. Tenho dificuldade com temas e nos últimos meses consegui a façanha de escrever crônicas para o jornal “Brasil de Fato – Paraná”, desde sempre tenho priorizado por escrever como quem respira.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não costumo me ater aos números, mas eu escrevo uma história, depois eu a reescrevo e reescrevo e reescrevo. Reviso o texto. Volto a revisar. Leio o texto inúmeras vezes como quem sabe que sempre existe algo a ser revisado, ou realocado, ou – geralmente – eliminado. Não fico contando quantas vezes reescrevo e reviso uma história. Com poesia é mais fácil, o verso é natural. Dá até para dizer que – para mim – a Poesia é flor do campo e a Prosa é aquela flor rara que te dá um trabalho incrível para manter viva. E sou solitária e estranha, dificilmente mostro meus escritos para outras pessoas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Ainda escrevo poemas em cadernos de anotações. Alguns nascem diretamente no computador. É um tempo de transição. Breve escreverei apenas no computador, eu creio. Romances eu escrevi dois deles em cadernos, no final do século passado. Escrevi o romance inédito (finalista do Prêmio SESC) “Cereja & Blues” em um caderno universitário, depois transcrevi na máquina de escrever elétrica do meu amigo poeta Carlos Barros. A partir de “Solidão Calcinada” escrevo no computador. Quando estou longe e alguma ideia surge, escrevo cenas em blocos e cadernos, e quando chego a casa, eu transcrevo, mas é mais comum escrever a história toda no computador. Não tenho nenhum problema com a tecnologia. Eu tenho um blog. Fiz parte do advento das novas mídias e sempre pensei a tecnologia como fator de integração para a Literatura. Lembro-me das primeiras revistas literárias, de como foi especial ser parte de projetos como o site Cronópios. Também tenho um lado nostálgico que ama aquela figura de escritor solitário com sua máquina de escrever. Gostaria de ter vivido esta experiência, mas meu tempo é este.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
“O espírito (da Arte) sopra onde quer”. Ele tem soprado enredos vindos nem sei de onde. Enredos surreais por vezes. Além de “As filhas de Manuela” tive ideias para outros enredos onde permeia o Realismo Mágico. É difícil falar sobre o abstrato. Talvez escrever seja mesmo minha forma de confrontar o mundo, dialogar com ele. Fui criada com muita liberdade correndo pelos quintais no interior do Estado e com acesso a livros, especialmente de antigos autores consagrados e enciclopédias. Acho que é preciso conhecer mundos e lugares, mesmo que através dos livros. Amar a Natureza. Ter uma fixação nas estrelas, conhecer minimamente o Cosmos, tentar caminhar em direção ao começo. Sonhar rios desconhecidos, ampliar as buscas. Eu amo Teatro e Cinema e Artes Plásticas. Não consigo imaginar uma escrita rica sem que haja influências. Amo Música. É preciso beber em muitas fontes. É preciso ter empatia, imaginar-se em situações não vividas. Acho que sair de si e não cobrir-se, permitir que a pele fique ferida. Ser criativo é olhar o micro e o macro. Eu caminho pelas ruas do meu bairro de forma lenta, pousando olhar nas imensas araucárias e também nas flores rasteiras e tento me aproximar o máximo possível dos pássaros. Depois eu me encerro na casa e quero ser Carl Sagan para penetrar segredos do Universo inteiro. Não me afastar de tudo que é Belo. Ainda que o Belo esteja em falta na rotina diária, é preciso ir buscá-lo, onde quer que esteja.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu publiquei meu primeiro livro com quase cinquenta anos quando já estava amadurecendo como poeta, eu creio. Descartei os poemas antigos. Muitos. Muito embora tenha ousado traçar os primeiros versos aos trinta e seis anos, eu escrevia poesia de forma esporádica, mas tinha uma produção razoável. Quando mostrei meu primeiro original a um editor eu já estava escrevendo poemas com mais qualidade, minha força visceral era lavada pela forma, pelo ritmo, pela facilidade com que comecei a dizer o que sentia necessidade de dizer. Com o romance não foi diferente. Eu já havia rascunhado duas histórias quando o livro “Solidão Calcinada” foi publicado. O livro chegou com uma indicação de finalista do Prêmio Nacional SESC de Literatura. Acho que ter pressa de publicar atrapalha. E é preciso selecionar. Pensava nisto já no primeiro livro de poesia, pois pediram oitenta páginas e eu pensava: quem tem oitenta poemas impecáveis para compor um livro? Aquele livro não aconteceu, e meu primeiro livro (O sorriso de Leonardo) tem vinte páginas. Creio que sempre fui severamente crítica com meus escritos. Sei também que escrever se aprende escrevendo, por isto não me incomodo de ter descartado mais de uma centena de poemas e dois romances no início. Se eu pudesse dizer algo à menina e a jovem que eu fui, diria apenas: escreva, escreva…
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Ainda não comecei a selecionar poemas para uma Antologia. Tenho oito livros de poesia publicados de forma tradicional e uma infinidade de livros publicados de forma artesanal. Penso selecionar os poemas para uma daquelas publicações tipo – Poemas Reunidos. Mas é tanta poesia que não sei – ainda – por onde começar. Este é o projeto principal. Acontece que todo ano eu me envolvo com as coisas rotineiras, escrever um novo livro, passar mais tempo com as pessoas que amo – sou mãe e avó. A vida puxa para muitos lugares, mas sempre ecoa dentro esta frase lavada em urgência– preciso selecionar meus poemas.
Não tive tempo ainda de ler muitos livros que já existem… Mas eu queria ler um Garcia Márquez italiano, com uma veia poética poderosa, criando um enredo em uma daquelas vila de pescadores, narrando os dias de uma personagem marcante como Camila Lopez (“Pergunte ao pó”, de John Fante), e que ela fosse precoce e poeticamente triste como a garota de – O amante – de Marguerite Duras. Que esta garota vivenciasse uma experiência de amor – palpável e sublime – como aquela que Elio e Oliver vivem em – Me chame pelo seu nome – do André Aciman. Acho que filtrei os romances que mais amei… Acho que estou com saudades de ler um livro que me deixe sem ar. Deve ser um vício, e sempre é preciso mais.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Deixo fluir. A partir de uma nova ideia eu faço anotações, mas nada detalhado. Durante o processo da escrita quando estou longe do texto eu anoto ideias que vão surgindo. Meus cadernos e bloco de anotações são repletos de frases caóticas, só eu sei o que uma frase ou texto significa. Já escrevi estas ideias em locais distantes, em muitos guardanapos nos Cafés. Gostaria de ser quem desenha os cenários, detalha o enredo antes de escrever e cria o perfil psicológico de cada personagem e os coloca em arquivos onde nada se perde. Vou criando lugares e pessoas e enredos apenas na minha mente, o tempo todo enquanto escrevo um romance. Uma intermitente usina criativa. Isto não é garantia de facilidade na hora de transcrever tudo. O mais difícil é a primeira frase. Fica aquele desejo de escrever um livro cuja primeira frase fique eternizada como em “A metamorfose” do Kafka, ou em “O amor nos tempos do cólera”, do García Marquez. Ou um poema cujo primeiro verso as pessoas citam em vários momentos, como – Tinha uma pedra no meio do caminho – do Drummond.
Os meus romances prefiro escrever nas manhãs, mas o poema brota a qualquer hora, e escrevo como quem respira. É algo orgânico, totalmente orgânico. Estou há um tempo sem escrever ao menos um poema, mas recordo que era natural, era delicado, era simples. Preciso retomar o velho ofício.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Eu tenho tantos projetos em mente que em alguns momentos fico um pouco entontecida sem saber qual realizar primeiro. Acontece que escrever é algo que te domina, e não é possível escrever dois romances ao mesmo tempo, por exemplo. De forma intercalada, quando um roteiro não deslancha, já aconteceu de escrever mais de um livro em um espaço de tempo. “As filhas de Manuela” foi um livro atípico. Entre a primeira e a última linha uma demora de dez anos. Não fiquei dez anos escrevendo a história, mas eu guardava e depois retomava. Tenho um romance inédito que também passou por este processo. Um romance/metamorfose em que se muda de título, o nome dos personagens, o final, e várias transformações até que você percebe que chegou ao fim. É um processo demorado que difere dos outros romances que, normalmente, escrevo durante o espaço de tempo de seis meses a um ano. Escrevo prosa e poesia, e enquanto escrevo um romance, poesias nascem. Gosto de escrever quando estou com o – desejo da escrita. Não imponho horários, nem faço cronogramas.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Vou começar pelo momento em que decidi que seria escritora. Eu tinha doze anos. Lembro aquela tarde de primavera na casa da minha avó paterna. Havia um balanço em um cinamomo. Eu ficava ali fazendo o que mais amo fazer: ficar sozinha para pensar. Minha vida desde sempre foi esta fuga para lugares solitários, minha vida é uma espécie de meditação profunda. Eu nunca anotei as ideias primeiras, mas recordo o quanto viver me encantava. Lembro que tudo era motivo de espanto e desejo de dissecar e compreender. Amava tanto dissecar tudo que, aos sete anos, desmontei uma boneca que ganhei no Natal só pra descobrir como era possível que um ser inanimado pudesse chorar e fechar os olhos. Por ser de uma família de leitores e poetas eu tinha acesso a muitos livros. E o tempo todo alguém recitava poemas pela casa. Meu pai e minha avó tinham um repertório de poemas épicos que sabiam de cor. Eu ouvia aquelas palavras o tempo todo: os “Lusíadas”, “Navios Negreiros”, “Palavras ao mar”, “O corvo”. Minha cabecinha era recheada de versos potentes, fatídicos, belos, doloridos… Aos doze anos o pensamento brilhou enquanto estava no balanço, voando ao vento: quero ser escritora. Era o desejo de encantar pessoas, levá-las pela mão a lugares e situações. Demorei a tomar posse desta ideia. Meu primeiro livro foi publicado quando eu tinha 49 anos. Guardei minhas histórias e poemas. Demorei a publicar, sair da gaveta, só que não houve trégua depois da publicação do primeiro livro. Não parei mais de escrever e publicar. Ser uma escritora independente no Brasil é para quem é forte. O que me move é o mesmo pensamento daquela garota á sombra do cinamomo: quero encantar as pessoas como me encantam com os livros que leio.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Quando era jovem eu vivia distanciada do meio literário, tive empregos burocráticos, um casamento de dez anos, três filhos… Sepultei o pensamento de menina – ser escritora. Eu sentia que havia uma ausência em mim que nada preenchia. Um banzo inenarrável. Era a ausência de mim, que só seria uma pessoa completa se escrevesse. Eu amava Arte, mas não mais rabiscava poemas como na adolescência. Eu guardava os épicos na memória, lia Pablo Neruda, Vinícius de Moraes. Poetas acessíveis a toda gente. Quando recomecei a rabiscar alguns poemas, eu não vivia mais no interior e comecei a frequentar a Biblioteca Pública aqui em Curitiba, como quem garimpa. Comecei a ler outros poetas: os poetas da geração 60, a geração beat, os poetas russos. Rilke. Saudade de Rilke. Os poetas contemporâneos. Li uma infinidade de autores, em verso e prosa. Percebi que meus escritos começaram a adquirir uma qualidade literária. Meus poemas foram adquirindo um rosto. Já ouvi sobre minha facilidade com metáforas, mas já fui criticada pelo “excesso de metafísica”. O escritor e jornalista Márcio Renato dos Santos escreveu em uma matéria para a Gazeta do Povo que sou “uma autora que desenvolve linguagem e textos refinados”. Espero seguir neste caminho de materializar a poesia com palavras rebuscadas. Amo as palavras.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Um livro que amei foi “Mensagem”, do Fernando Pessoa. Falar sobre os livros que vou citar é também uma tentativa de dizer dos poetas e escritores cuja obra inteira me fascina. Eu fiquei encantada com “Mensagem”. E, da mesma forma, com o incrível “Livro do Desassossego” e “O Guardador de Rebanhos”. “Mensagem” é impecável. Ele evoca seu País, os antepassados, o mito El Rey D. Sebastião. É um lindo canto a Portugal, ao que o país foi e ao que o poeta deseja que volte a ser.
Outro livro que gostaria de indicar é “Árbol de Diana”, publicado recentemente no Brasil. “Árvore de Diana”, da poeta argentina Alejandra Pizarnik. Eu li a versão online traduzida pela poeta Nina Rizzi. Leio poesia como quem bebe uma poção sagrada. Sei qual poção me alimenta, sei onde meu coração se nutre por um tempo infindo. O que dizer sobre Alejandra e seus poemas curtos? Dois versos podem conter o infinito. Como “Mensagem” do Fernando Pessoa, não é um livro com muitas páginas e nem com muitos poemas, mas é de uma beleza imensurável.
Seguindo esta linha de pensamento, de falar sobre autores cuja obra toda me encanta, é a hora da nossa estrela – Clarice Lispector. É o centenário de seu nascimento. O livro dela que eu mais amo é “Água Viva”. É possível entrar em uma espécie de êxtase ao ler o relato intimista de Clarice. Encanta-me a vertigem que é penetrar naquele espaço vivo. Água Viva. Palavra, esta matéria intangível que mata a sede da alma.