Augusto Guimaraens Cavalcanti é escritor, autor de Fui à Bulgária procurar por Campos de Carvalho.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Como moro numa rua movimentada com um bar em frente, meus hábitos de escrita são primordialmente noturnos. Minha rotina matinal é quase que restrita à vida acadêmica. Quando tenho que comparecer à UFRJ para o pós-doutorado ou tenho que comparecer a outro lugar, acordo cedo e passo algumas horas até me recuperar, se é que me recupero, do barulho do despertador que tanto me aborrece. Todavia, como a maior parte do “meu” tempo é escrevendo em casa, posso minimamente planejar a rotina de acordo com o projeto que seja a minha prioridade no momento. Quando tenho um prazo para escrever um romance ou um livro de poemas, por exemplo, troco a noite pelo dia e é como se eu fosse um escritor-vampiro que do dia só vê as primeiras luzes antes de adormecer. Já para a escrita acadêmica, prefiro as manhãs.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De um modo geral, trabalho melhor para a ficção durante as noites e para a academia durante os dias. Meus rituais de preparação são variáveis, de acordo com as necessidades e os desafios. De todo modo, gosto de tocar violão e cantar antes de escrever. É algo que me desobstrui a mente para a inspiração ensaística, por assim dizer. Por vezes, também tenho fases de produzir melhor ouvindo alguma música instrumental. Depende.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Se eu tivesse uma meta de páginas para escrever, acho que não escreveria, quer dizer: mesmo na escrita acadêmica, se não fosse possível ter o mínimo de imprevisibilidade, de insensatez e de intempestividade, não me sentiria atraído a produzir nada. Todavia, procuro compor algo todos os dias; nem que seja uma só ideia que possa vir a ser readaptada e reinventada a posteriori. Como quase tudo que escrevo tende para o fragmento, a laboração da edição é a parte mais importante do processo. Como a minha escrita tende para o intertextual, a edição é imprescindível para qualquer possibilidade de fabulação de existência. A edição, a montagem e a colagem são partes indispensáveis.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita é motivado pelos vários arquivos que vou acumulando no computador. Nesse sentido, sou plenamente tecnológico e adaptado a certa inclinação pré e pós-moderna de corte e colagem. Me parece que a tecnologia só veio potencializar a tendência intertextual de toda escrita fragmentária e elíptica. Tendo isso em vista, muitas vezes me imagino como um cineasta cujo maior esforço fosse reunir e reorganizar vários fragmentos dispersos de imagens num eterno recomeço. Não obstante, nos meus primeiros livros publicados eu ainda escrevia em cadernos e só ia para o computador na hora de redigir aquilo que havia sido produzido no papel. Quando estou em trânsito, nalguma viagem, ainda uso deste artifício de remeter o processo de escrita mais às anotações materiais do que às virtuais.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Foram anos de psicanálise até lidar melhor com as expectativas que rondam qualquer prática artística que eu venha a desenvolver. Atualmente, com 34 anos recém completados, consigo lidar com as inseguranças e com os períodos de escassez criativa simplesmente os respeitando e me permitindo ver algum filme ou saindo de casa para espairecer ou, então, meramente descansando a cabeça e dormindo para produzir melhor enquanto estou na frente do computador escrevendo, que é onde passo a maior parte dos meus dias. Para mim, o tempo de sonho é tão importante quanto o tempo de trabalho. Nesse sentido, costumo me lembrar da frase do poeta Saint-Pol-Roux adotada pelos surrealistas que, antes de dormir, mandava colocar à porta de seu solar um cartaz onde se lia: “O poeta trabalha”.
De qualquer forma, posso dizer que em 2018 lido melhor com expectativas e ansiedades de escrita do que em 2006, ano em que publiquei meu primeiro livro – Poemas para se ler ao meio-dia. Como escrevo em três vertentes: a de poeta, a de romancista e a de ensaísta acadêmico; estou sempre ocupado com algum projeto. Os prazos da vida acadêmica são distintos dos do mercado editorial. No campo da poesia, tenho como meta publicar de três em três anos. No campo do romance, os projetos tendem a ser mais longos. Por exemplo, publiquei meu primeiro livro ficcional-ensaístico – Fui à Bulgária procurar por Campos de Carvalho – em 2012. Hoje, no momento em que estou respondendo esta entrevista, ainda não sei quando a vida me permitirá publicar o seguinte. No campo da poesia, é preciso corrigir e editar bastante também, mas existe outra urgência de publicação. O tempo para escrever um romance é distinto da premência em escrever um livro de poemas. Tal multiplicidade de demandas presentes no campo da poesia, da prosa e da escrita acadêmica, me abre uma margem para estar a todo momento ocupado com um projeto diferente. Isso me permite ter um mínimo tempo para editá-los antes de saber que estão publicáveis.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Como respondi na questão anterior, as três vertentes de escrita que atravessam a minha produção enquanto escritor acadêmico, ficcionista e poeta são divergentes. Para a produção acadêmica, os prazos de publicação de um artigo ou de um projeto são outros e não há tempo de passar para outras pessoas lerem. No campo da prosa, do ensaio e da poesia, há mais tempo de eventualmente ter a leitura de outros antes que a editora resolva publicá-los. De todo modo, no momento em que me proponho publicar um livro ou um artigo, tenho certeza que os reli bastante.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Penso que já respondi esta pergunta noutra resposta anterior. Mas, posso acrescentar que, no meu caso, a escrita à mão é uma parte que não se extingue. Em suma, como nasci em 1984, provavelmente pertenço à uma última geração que não nasceu familiarizada com a informatização das redes virtuais. Ainda que esteja minimamente integrado com a tecnologia contemporânea, tenho a necessidade da materialidade do papel. Também, tudo que leio prefiro que seja noutro lugar que o computador. Como costumo passar um terço do dia em frente do computador escrevendo, preciso dosar o meu tempo livre com outras áreas de interesse. Por isso, quando estou em viagem ou em trânsito, tenho costume de carregar um caderno de anotações. Além disso, o celular pode ser um bom caderno de notas quando alguma ideia e inspiração de frase me vêm.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias, penso eu, vêm primordialmente de tudo que leio e vivo de alguma forma. Procuro ler dois ou três livros diferentes ao mesmo tempo. Para a escrita acadêmica, costumo ler em torno de, ao menos, dois textos de cada vez. Então, minhas ideias vêm daí e também de outros hábitos que cultivo para me manter criativo. No campo da poesia e da prosa, tenho por costume ler um livro distinto por vez. Ainda, tenho por costume assistir filmes e frequentar exposições que me desafiem a produzir algo de novo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Bom, por exigência de rigor e método, devo dizer que me tornei um pouco menos desorganizado do que antes da universidade. Ainda assim, como publico desde os 22 anos, a via ficcional atravessa a minha escrita teórica, assim como o que escrevo para fora da academia é inevitavelmente permeado por certo viés de busca teórica. Olhando para trás, posso dizer que meus primeiros textos possuíam certa inclinação sentimental que, embora ainda presente, não se mantém principal.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de gravar um álbum com minhas músicas autorais. Já pensei em escrever para o cinema e para o teatro, mas o que mais gostaria seria escrever com algum pseudônimo que me permitisse praticar um estilo diferente.
Que livro eu gostaria de ler e ainda não existe? Bom, esta pergunta me remete ao livro inesgotável idealizado por Mallarmé e também a grande obra alquímica buscada por seus adeptos durante os séculos. Foi a utopia do livro total e de leituras infinitas que moveu Cortázar a produzir Rayuela (um dos meus livros favoritos). De vez em quando, penso nesta utopia e sobre o desejo de ler um livro assim: sem gêneros, onde poesia e prosa sejam uma só.