Artur Oscar Lopes é professor universitário e escritor, autor de “A Casa da minha Vó e outros contos exóticos” (2006) e “A Piscina de Aço Fervente e outros contos” (2015).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tomo meu café da manhã e vou para o trabalho. Sou professor universitário (nenhuma relação com literatura). Minha rotina não tem nada a ver com me concentrar para escrever um livro. Em algum dia especial, quando a ideia do texto (um conto, por exemplo) já amadureceu, eu sento e escrevo o cerne da redação de uma sentada. Mas ainda não é a versão final. Esqueço o assunto; de tempos em tempos, sem querer, o que precisa ser concertado ou acrescentado me vem à mente. Às vezes me vem uma ideia quando acordo sem sono no meio da noite; às vezes de manhã ao acordar algo me diz que tem uma frase mal escrita. Assim, de tempos em tempos volto a digitar. Em algum momento a estória vai e me diz: agora chega! Aí eu declaro encerrado o assunto.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tem uma hora exata. Sem ritual.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos concentrados. Nenhuma meta diária. As estórias que mandam em mim. Sou escravo. Se uma delas me manda escrever eu escrevo. Elas usualmente são muito mandonas, cheias de caprichos. Escrevi os contos (dos dois livros publicados) há alguns anos; posteriormente, quase não tenho mais me dedicado a escrever literatura. Isto não quer dizer que não estou em preparação para novos livros. Tenho alguns projetos e de tempos em tempos vêm a minha mente algumas idéias. Meu ponto de vista é que as estórias estão por aí no éter para serem contadas. Elas precisam ser captadas; é mais ou menos como se a gente fosse um radio e captasse um ruído inicialmente cheio de estática, então, aos poucos o dial vai acertando a frequência. Aí então você começa a perceber melhor o que cada uma delas quer dizer. Em algum momento você senta, escreve e neste ato, finalmente, as diversas partes se encaixam, detalhes que deveriam ter sido óbvios no começo se revelam. Quando o texto está pronto você ainda se pergunta como pode ter sido tão tolo a ponto de não perceber de saída que era isto exatamente que a estória queria lhe contar.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar?Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu processo de escrita foi descrito acima. O que faria o papel das anotações foi o que ficou acumulado na minha mente ao longo do tempo. Em geral não faço muita pesquisa (ao menos conscientemente). Procuro escrever de forma simples, direta, sem ser rebuscado. Frases não muito longas. Procuro ser didático. Escrevo para o leitor e não para o crítico. Não sou metódico e fico mais para o lado do intuitivo, do quase caótico. Percebo em muitos escritores hoje em dia uma demasiada preocupação com a forma. Para mim o importante é o que você quer dizer, é contar uma boa estória: deprimente, inspiradora, crítica, surpreendente, triste ou com final feliz, não importa. Eu sempre gostei de ler. Os grandes autores são a nossa inspiração. Os ótimos livros são aqueles que contam ótimas estórias. Ao mesmo tempo nos deliciamos com o refinado prazer de ler a elegante narrativa de um Machado de Assis, de um Borges, de um Garcia Marquez. Mas estes são gênios.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Como não tenho metas eu não tenho travas da escrita. Eu simplesmente paro quando não tenho o que escrever. Quando a estória quer ser escrita ela não tem pudores. Ela vai e me atropela como um trem desgovernado. Não tenho escolha a não ser sentar e escrever.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eles são por mim revisados muitas e muitas vezes em busca da escolha da palavra exata, da estrutura narrativa mais elegante, do texto mais direto (de forma que não distraia o leitor com detalhes superfulos). Eu preciso é que alguém revise minha gramática antes de submeter para publicação. Ainda não consegui entender bem como ela funciona. Seu domínio está acima das minhas capacidades intelectuais.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tudo escrito no Word. Sem processador de texto eu jamais escreveria.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Nenhuma idéia de onde vêm as idéias. Uma boa idéia é fundamental para começar a pensar numa estória. Ter uma idéia original faz muita diferença. Para mim é errado pensar que um conto é um romance pequeno. Não tem nada a ver. Pesquei da internet: rationale = a set of reasons, or a logical basis for a course of action. Aqueles contos que eu mais gostei parecem terem sido concebidos pelos autores através de um perfeito rationaleque coordenou a imaginação, a emoção e uma complexa atividade mental: Borges, Kafka, Garcia Marquez, Guimarães Rosa, Cortazar, Allan Poe, Saki, Arreola, James Joyce, Bierce, Rubem Fonseca…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Nada. Absolutamente nada. Bem, talvez eu agora me dissesse para escrever contos ainda mais curtos, mais sintéticos. Gostaria um dia de escrever um conto que fosse o mais resumido possível. Concebido de tal forma que se uma única palavra do texto fosse suprimida ele se tornaria não inteligível. Pesquei da internet: a palavra “conto” vem do latim. “computu”, cálculo, conta. Ao se fazer uma conta todo o resto é abstraído. É só a conta. Gostaria de escrever um conto que fosse assim como uma conta. Um conto-conta, sem mais detalhes do que aqueles absolutamente necessários para a funcionalidade da estória. Não poderá haver erro na conta.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Até agora só escrevi contos porque em princípio era mais natural para mim. Sou sintético por natureza. A gente escreve porque tem algo a dizer, a contar. Uma nova coisa me veio à mente em algum momento e senti que era algo tipo romance, algo grande… É algo que quero (preciso) narrar. Como se sabe existe uma enorme diferença entre o conto e o romance. O planejamento do romance é de maiores proporções. Leva bem mais tempo para se conseguir um todo coerente; é preciso que as peças todas estejam bem encaixadas (e são muitas). Por outro lado, um conto pode vir à mente aos borbotões. É mais ou menos como se a gente preparasse apenas a mochila para ir para o trabalho. Já um romance é como se fosse necessário arrumar a mala para uma longa viagem. Precisa de mais tempo para maturação.Será uma nova experiência tentar escrever um romance.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Em geral eu deixo os pensamentos fluirem até eu conseguir obter alguma ideía central mais bem elaborada. Algo interessante. Quando então sento para descrever a tal ideia central, às vezes, o que eu havia planejado muda um pouco, ela troca de rumo, enriquece. A última frase parece ser a mais difícil.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Na verdade no momento eu não estou organizando o trabalho de forma sistemática porque os pensamentos ainda estão se desenvolvendo, ainda não estão amadurecidos. São vários projetos. Várias ideias pulam na cabeça daqui para ali.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Em algum momento me senti compelido a escrever (explico abaixo). Ter algo para contar me motivou a sentar e escrever. Virar escritor (nem sei bem se posso me classificar como tal) foi consequencia, mas não motivação. Eu escrevi um conto chamado “Notícias” quando ainda na minha graduação (faz muito tempo). Foi para um pequeno concurso organizado pelo Centro Acadêmico daquela época. Decorridos alguns anos ele foi finalmente publicado em um volume de contos da Editora Brasiliense que se chamava “Contos Jovens”. Esqueci do assunto. Muitos e muitos anos mais tarde um aluno mencionou-me que o tal conto havia sido citado como algo interessante num texto sobre literatura para alunos do segundo grau (um livro do Ernani Terra). Fiquei emocionado. Achei então que talvez o que eu tinha na cabeça para escrever fosse de alguma valia. Aí escrevi os livros de contos “A Casa da minha Vó e outros contos exóticos” (segundo lugar na categoria “Contos e crônicas” do Prêmio Jabuti edição 2007) e “A Piscina de aço fervente e outros contos” (que ficou entre os cinco finalistas do Prêmio Açorianos de Criação Literária 2010 – SMC –Porto Alegre).
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Nunca procurei concientemente desenvolver estilo próprio. Como dizia Millor Fernades: livre pensar é só pensar. Assim, na mesma linha se poderia dizer: para escrever em estilo próprio basta só escrever.
Borges, Garcia Marques, Kafka, Stendhal, Machado de Assis, Rubem Fonseca, Philip Roth e Marai são as minhas maiores influencias.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
De Verdade (Sandor Marai), Ficções (Borges) e Comboio Noturno para Lisboa (Pascal Mercier).
O livro “De verdade” descreve várias versões da mesma estória; mas cada uma contada sob o ponto de vista pessoal de cada um dos vários personagens que dela participaram. A gente só entende bem o que de fato aconteceu após ler os distintos relatos. Um ensaio profundo sobre a natureza humana. O livro “Ficções”, por sua vez, é um belo exemplo de até aonde a riqueza da imaginação do escritor pode nos levar. Os contos não são ilógicos, na verdade, cada conto tem sua própria lógica interna. “Comboio Noturno para Lisboa” descreve uma estória extremamente interessante e enriquecedora através de belísima forma literária. É o prazer da leitura em sua forma mais pura.