Antonio Lisboa Carvalho de Miranda é doutor em Ciência da Informação e Professor Emérito da Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meio notívago, eu adormeço ruminando ideias… Às vezes levanto, no meio da noite, para anotar alguma ideia, um verso, o título de um livro que ainda estou escrevendo…Mas, nem sempre consigo fazer o registro…
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Geralmente, pela manhã, sempre de tarde, nem sempre de noite, salvo nas noites de insônia… Leio muito. Quando trabalho no teclado, preciso fazer pausas para relaxar o corpo… É quando repenso o que estou escrevendo, corrijo, reescrevo. Mas não sou de fazer revisão de textos tempos depois… cada texto tem seu momento e duração, data…
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tenho metas, e sou metódico. Já escrevi e publiquei mais de 50 livros… Centenas de textos literários e científicos, poucos ainda inéditos. Antes eu escrevia muito nos fins de semana, na chácara que tenho nos arredores de Brasília — A chácara Irecê – onde, durante anos, escrevi em mais de uma dezena de cadernos… Mas fazia intervalos para novas obras, para plantar bromélias, para implantar um jardim-labirinto – que infelizmente – pegou fogo…, para pintar, desenhar e até erguer esculturas de cimento e/ou de madeira, além de dedicar-me ao colecionamento de cartões-postais, gravuras, livros!!! Mas, depois de aposentar-me, aos 70 anos de idade, mudei a rotina… Deveria ficar mais tempo escrevendo na chácara, mas fico mais no apartamento em Brasília lendo, escrevendo e preparando os textos e imagens do Portal de Poesia Ibero-americana que comecei faz quase vinte anos… A única meta fixa é a de escolher poemas dos autores que estou lendo e, quando for o caso, traduzindo para alimentar o Portal… Reconheço que a leitura dos poetas às vezes me inspira novos poemas, seja parafrasica e/ou metalinguisticamente – principalmente de textos filosóficos… — seja reinterpretando, contradizendo, ampliando… Evitando o plágio, mas almejando seguir o caminho dos textos e imagens do que leio… Quem não lê, não escreve…
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrevo poesia, ensaios, editoriais, artigos científicos, etc, etc. Sempre me dividi entre poeta, artista e cientista… Não há poesia sem arte, nem arte sem poesia; ciência e arte articulam-se criativa-mente. Sem limites, sem fronteiras, apesar dos formatos convencionais exigidos pelos especialistas e pelas instituições… Não faço muitas anotações… mas tenho o costume de marcar a lápis os textos dos livros que estou lendo… Volto a eles para transformá-los em citações, para incluir até em poemas — poiesofia… ou para remonta-los como atualmente estou fazendo para a edição de um livro de — Tercetos filosóficos, científicos e poéticos… que já estou publicando –os no Instagram e devo depois editar com o título de 1001 Tercetos… Se não tivesse definido 1001… não haveria limite! Como eu já expliquei, muitos dos textos eu busquei nas marcações que eu já fizera nos livros lidos nos últimos anos…
Os livros científicos conformavam-se com os cursos que eu ministrava em universidades no Brasil e em outros países, às vezes sozinho, outras vezes com alguma parceria criativa. Ou eram encomendados para apresentações em seminários, em revistas, etc., quando o tema proposto me provocava alguma reação positiva. Por exemplo, aceitei escrever o prefácio de um livro de autor que eu admirava, ou me desculpava para escapar de encomendas fora de minhas preferências literárias e científicas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Escrevo o tempo todo, impulsivamente, mas também destruo muito do que escrevo quando meus textos não me convencem… Nem tenho o costume de pedir opiniões durante a produção de textos, e nem de participar de concursos… Ganhei vários prêmios, mas nunca por candidatura espontânea… Mas sempre tentei apresentar-me para os concursos acadêmicos próprios da carreira profissional, com o máximo de dedicação e preparo prévio: mestrado, doutorado, pós-doutorado, professor titular…
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Nem sempre, quase nunca, a menos que esteja em projeto com parceria, ou numa produção mais coletiva… Nem me ofendo com críticas negativas… É melhor uma crítica bem feita do que um elogio desmedido…
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo desde criança, quando ainda estava surgindo a televisão… Aos doze anos de idade produzi meu primeiro “livro-de-artista” com meus poemas em um exemplar único… que ainda conservo e até já reproduzi fac-similarmente. Alguns textos eu, agora, escrevo teclando… ou gravando, com a tecnologia ao meu alcance… Nos anos 50 eu, quando foi possível, adquiri a máquina de escrever. Nos anos 60, na Venezuela, eu comecei datilografando e publicando com um mimeógrafo. Agora alterno publicações digitais — e-books, livros digitais, muitos deles publicados no Issuu e pelo kindle-amazon.com, e em experimentos mais ousados no que eu denomino “animaverbivocovisualidade”.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Vejo pouco a tv, quase sempre no final da noite, quando acontecem alguns programas menos triviais: entrevistas, debates, vídeos, filmes, dança, música clássica e até a mais experimental… Ia muito a conferências, peças teatrais, livrarias, feiras de livros, galerias de arte, leituras em cafés, mesmo não tendo o costume de beber. E costumo viajar para participar de congressos científicos, museus, festivais de poesia, para conhecer gente, ver novas experiências criativas. Já andei por mais de 40 países, já vivi em vários deles (Venezuela, Inglaterra, Porto Rico, etc.).
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tudo!!! Comecei com textos frasais, convencionais e tento renová-los, recriá-los, mas também experimento a poesia visual, textos imersivos (quase sempre em colaboração com tecnólogos de minhas relações, e são muitos, próximos ou distantes geograficamente.) Do livro artesanal ao vídeo e a criações mais virtuais.
Dizem que eu mantenho a mais extensa seção de poesia visual na internet, visitada por muita gente, e até adotada em escolas (disponível aqui).
Tento me recriar o tempo todo, criando livros alguns bem diferentes de outros, experimentando sempre. Embora eu seja nordestino, não consigo trabalhar com o cordel, mas já produzi uma saga nordestina, poemas concretistas, sonetos e até participação em “lives” durante este pandemônio, e de tentar sempre uma paideuma… E tenho um heterônimo – o Barão de Pindaré Júnior. O barão de Pindaré era maranhense… Com ele revelo um outro eu, mais esperpêntico e sarcástico… (disponível aqui)
Mas não chego à condição polivalente de Fernando Pessoa (Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos) e suas prosas (Bernardo Soares).
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Já publiquei textos memorialísticas, mas nunca uma verdadeira biografia… Mas não pretendo chegar a isso… A minha biografia está na coleção da minha produção artística, literária e científica.
Existem livros que eu queria ler. Não havia biblioteca onde eu nasci… mas depois eu vivi parte minha vida como leitor, em bibliotecas, e até me formei em biblioteconomia. Em suma: estou sempre buscando livros, principalmente novidades… Às vezes me engano, muitas vezes acerto!!!