Antônio LaCarne é cearense, pesquisador em Literatura e autor de Salão Chinês (2014) e Exercícios de Fixação (2018).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Tento escrever diariamente, nem que sejam pequenos esboços ou fragmentos, sem a pretensão de que se tornem parte de um projeto específico. O processo da escrever é o que mais me provoca fascínio. Escrever como subterfúgio. Simplesmente deixo registrado os vislumbres de ideias que poderão, quem sabe, ser reaproveitadas no futuro. Costumo escrever durante o dia, principalmente pela manhã. Com o caos causado pela pandemia, também tenho me condicionado a registrar impressões num diário íntimo. Sempre tive o hábito de me dedicar a um projeto por vez, é como prefiro, pois me ajuda a manter o foco de forma mais efetiva.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Incialmente já tenho um vislumbre determinado, e a partir de como o enredo vai se desenvolvendo, novas ideias surgem. Meu processo de escrita é também às cegas. O próprio ato de construção da narrativa me guia e me encanta, e costumo ter grandes surpresas na maioria das vezes. Acredito que a finalização de um texto seja uma das partes mais delicadas. Os meus projetos não sofrem nenhum tipo de pressão, pois se configuram num ato de liberdade criadora.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Não consigo ler ou escrever com barulho por perto, então preciso estar num ambiente silencioso, onde eu possa ler, reler e editar o que escrevi. Também costumo ler em voz alta, perceber como as construções soam de forma oral. Tem que existir uma espécie de encaixe entre o sentido e reflexão.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Eu não me imponho qualquer tipo de prazo ou regra. Escrever, na minha opinião, é exercer a liberdade, portanto é necessário se libertar de possíveis pressões e amarras. Se o trabalho não flui, simplesmente deixo de lado e retomo num momento mais adequado.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
No momento trabalho em um livro de contos, em que o processo tem sido lento, trabalhoso e acompanhado de muita reflexão. São narrativas de terror contemporâneo, onde a realidade da vida é o monstro em si. Até agora são os textos que mais me orgulho de ter escrito.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Sempre me identifiquei com temas relacionados à inadaptação do ser humano como animal social. E encaro os meus textos como pequenas costuras interpostas em que sobreponho diversas referências e abstrações da realidade, uma realidade contundente, ou meramente idealizada. Escrevo pensando no projeto como uma forma de me impor no mundo. Se a obra é bem aceita pelo público, prefiro encarar como uma possível consequência.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Tenho algumas pessoas próximas que são as primeiras a lerem os manuscritos. São leitores ávidos e amigos sinceros que se comprometem em me fornecer um feedback necessário. Envio também para amigos escritores.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Na adolescência foi o período em que percebi que me expressar através da literatura era o meu grande objetivo, principalmente motivado pelas minhas leituras e pelos autores que sempre admirei: Anne Sexton, Sylvia Plath, Katherine Mansfield, Rcahel de Queiroz, Clarice Lispector, Hilda Hilst, Jean Genet.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Acredito que a maior dificuldade é manter a motivação em escrever, e não sucumbir aos percalços que a vida nos impõe. Escrever exerce um papel de fundamental importância na minha vida, mas por outro lado não é minha maior prioridade. Viver e tornar a vida menos insustentável é a verdadeira prioridade, além de construir relações verdadeiras e duradouras. Exercer uma consciência política do nosso papel no mundo. Quem me influenciou de forma arrebatadora foi Hilda Hilst.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
O livro que tem me causado um verdadeiro fascínio é “História da solidão e dos solitários”, do historiador Georges Minois, em que o autor documenta o sentido da solidão desde a antiguidade pagã até os dias de hoje. Uma verdadeira pérola.