António Bizarro é escritor e músico.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A minha rotina matinal depende da minha situação profissional. Durante muito tempo, quase vinte anos, a minha rotina era deslocar-me de barco do Barreiro para Lisboa, ou seja, da margem sul para a margem norte do rio Tejo. Nessas travessias diárias, que duravam entre vinte e trinta minutos, eu aproveitava para ler e escrever bastante, embora eu fosse sempre mais produtivo à noite, em casa. O confinamento forçado devido à Covid-19 e, antes disso, o desemprego alteraram muito a minha rotina. Com o meu emprego actual, tenho as manhãs livres para escrever notas avulsas, mas o trabalho efectivo de escrita continua a ser feito maioritariamente à noite.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sempre à noite, depois do bulício quotidiano e quando o silêncio impera, embora, quando estou focado, consiga escrever em ambientes barulhentos. Não tenho nenhum ritual de preparação em particular, apenas sonho muito acordado e vou anotando ideias, as quais acabam por me forçar a desenvolvê-las cada vez mais.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende, mas, de um modo geral, escrevo bastante durante um certo período de tempo, um mês, dois, três, e estou sem escrever, em especial quando estou focado na minha música, durante outro tanto. Não estabeleço metas diárias de escrita, tanto posso escrever uma página ou duas num dia, como dez, vinte ou trinta.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Primeiro, trabalho a ideia na minha mente durante muito tempo, imaginando a história do princípio ao fim, e pesquiso certos pormenores factuais na Internet, em outros livros, por vezes até perguntando a alguém que tenha conhecimento sobre a matéria. Depois, norma geral, faço uma primeira sinopse da história que inclui os resultados da pesquisa que fiz previamente. Daí, lanço-me de imediato na escrita da história e vou desenvolvendo cada aspecto com mais detalhe.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não costumo sofrer do chamado ‘writer’s block’, nem isso faz parte das minhas preocupações. Preocupo-me em escrever a melhor história possível, ciente de que vai haver sempre quem goste daquilo que escrevo e quem não goste. Mesmo os grandes clássicos da literatura sofrem críticas demolidoras, (basta espreitar o site Goodreads para se ter uma ideia disso.) Enquanto escritor de contos e histórias curtas em geral, tenho a vantagem de conseguir concluir os meus projectos com pouca ou nenhuma ansiedade. Mesmo quando me abalancei a escrever o meu primeiro romance e, posteriormente, a traduzi-lo para inglês, essa ansiedade não me acometeu, visto não ter um prazo definido de conclusão, nem perpectivas de publicação.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A revisão ocupa a grande fatia de tempo que gasto a escrever uma história, e é uma das minhas partes favoritas de todo o processo. Reviso, rasuro e reescrevo muito antes de dar por concluída a história, de modo que, quando compilo uma série de contos para compôr um livro, as coisas já estão bastante polidas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Durante muito tempo, escrevi os meus rascunhos à mão, e era também assim que trabalhava as minhas histórias, até porque era mais prático transportar um caderno ou um bloco de notas do que um computador. Só depois passava a limpo no computador e fazia uma primeira revisão. Ultimamente, mercê da minha situação de desemprego e depois do confinamento, adquiri o hábito de escrever directamente no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As minhas ideias surgem-me de vários lados, por vezes de sonhos, de canções que ouço repetidamente e que me inspiram imagens, visões, pode-se dizer, e de experiências de vida próprias e alheias. Os livros e os filmes também são fontes de inspiração, no sentido em que, por vezes, leio um livro ou vejo um filme e ocorre-me que, se tivesse sido eu a escrever a história ou o filme, eu teria feito as coisas de maneira diferente, teria seguido um caminho diferente. Por isso, leio muito, vejo muitos filmes e ouço muita música.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que mudou no meu processo de escrita foi uma noção melhor de como transpôr para o papel aquilo que imaginei. O domínio maior dos artifícios e mecanismos da escrita ajudaram-me a escrever, não só melhor, como mais fluentemente. Se eu pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos, diria que uma bonita frase, por mais bonita que seja, tem de ser sacrificada pelo bem do texto enquanto um todo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Todos os meus projectos estão numa fase ou outra de desenvolvimento, daí que, mesmo aqueles que ainda apenas existem na minha mente, já estão começados. Um dos meus projectos é reunir todas as minhas histórias num único volume, até porque todas elas partilham o mesmo universo, e criar um romance monumental em mosaicos; isso só será possível quando, um dia, deixar de escrever, daí que seja um projecto falhado à partida. O livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe é sempre o livro que eu estou a escrever, e quando acabo de escrevê-lo, é o livro seguinte.