Annette Schwartsman é jornalista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou uma pessoa notívaga, então minhas manhãs costumam começar tarde, lá pelas 10:00. E sempre com coisas que, mesmo relacionadas ao trabalho, não são propriamente a escrita. Respondo e-mails, navego pelas notícias do dia, pago contas, agendo consultas ao dentista e entrevistas com personagens ou fontes do projeto em que estou trabalhando, intervalo pra outro cafezinho, enfim, vou enrolando o tempo até o cérebro pegar no tranco e começar esquentar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho sempre muito melhor a noite, nesse horário minha cabeça está tinindo, a dispersão com mensagens, telefonemas e afins cessa, o ambiente fica silencioso, enfim, é um horário que reúne todas as condições favoráveis ao exercício da escrita. Quanto mais tarde, melhor. Meu horário ideal de produção é das 22:00 às 3:00.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sempre a escrita propriamente dita só acontece no terço final do prazo que o projeto tem. Antes começam as pesquisas, são feitas as entrevistas, mais pesquisas, mais entrevistas e só então, de posse de toda a informação, a escrita tem liberdade para começar e fluir.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não dá pra dizer que seja fácil começar, mas também não há nenhuma dificuldade que um bom deadline não resolva. Você já procrastinou o suficiente, sabe tudo que precisa saber (ou nos piores casos já tem as informações à caminho), falou com todos que precisava falar, o prazo pra entregar está ali dobrando a esquina e você precisa botar pra fora aquele bolo que seu cérebro já digeriu. A imagem é meio escatológica, mas sinto que o processo da escrita é muito parecido com o da digestão, pelo menos até o penúltimo capítulo. Primeiro você entra em contato com o alimento (o tema), observa, cheira, essa visão e aroma estimulam seu córtex cerebral, você saliva, põe na boca, mastiga, saboreia e engole aquilo que resultou da combinação entre alimento e saliva (as pesquisas). Sob a ação química de sucos gástricos, intestinais e pancreáticos (as entrevistas), esse bolo alimentar vai se transformando enquanto segue pelo esôfago, o estômago, o duodeno e o intestino delgado, até chegar ao intestino grosso, que é quando os nutrientes são absorvidos (a estruturação do texto). Mas aqui as semelhanças acabam, pois ao contrário das fezes, que são a parte não aproveitada do processo de digestão, o resultado do processo da escrita (o texto final) é o sumo do que o cérebro processou, a sua melhor parte.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sinceramente não sinto que tenha travas, preguiça de começar sim, mas como já disse, nada que um prazo não dê conta. Em relação ao medo de não corresponder às expectativas, ele existe, mas não chega a imobilizar, é apenas uma vozinha que fica lá no fundo fazendo com que você dê o melhor de si, o que acaba sendo positivo. Acho que projetos longos não provocam mais ansiedade que os mais breves, percebo que o prazo, independentemente de sua duração, sempre é dividido nas mesmas fases, sendo que a última, a escrita, costuma corresponder a cerca de um terço do total, ao menos no meu caso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Isso é outra coisa que varia conforme o prazo. Um texto que fica pronto com folga vai ser revisado muitas mais vezes do que outro que é finalizado na boca do fechamento. Mostrar aos outros, também depende. Se é um texto mais pessoal, ou muito complexo, é sempre bom ter opiniões de terceiros antes de publicar. Mas também isso, por conta do tempo, muitas vezes não é possível.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou rata de tecnologia desde que o termo surgiu, mas comecei a escrever profissionalmente quando o computador pessoal ainda não existia, e lembro de recortar e colar na mão muitos textos datilografados ou manuscritos antes de digitar as laudas finais. Hoje as únicas coisas que escrevo à mão são bilhetes para a empregada e listas de compras.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Ler, ler e ler. Muito e sempre. Esse é o melhor hábito pra quem escreve, já que aprendemos e melhoramos tentando “imitar” os mestres. Como fã de tecnologia, não limito a “leitura” aos livros, revistas e jornais, e incluo tudo que se passa diante da tela do monitor, inclusive assistir filmes, séries etc., uma outra forma de absorver conhecimento.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O uso do computador facilitou e agilizou mutíssimo não apenas o ato de escrever, como as demais etapas do processo. Hoje não me imagino trabalhando sem um, sou totalmente dependente. Se pudesse voltar no tempo, me aconselharia a escrever mais solto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho uma vontade que começou sendo a de escrever sobre meu pai, que surgiu logo depois que ele morreu, e que foi se transformando numa ideia de escrever sobre toda a família, ancestrais e descendentes. Seria uma coletânea de breves relatos sobre cada um com quem convivi. Um projeto pra ser lido só pela família, evidentemente.