Anna Martino é escritora e editora de ficção especulativa.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Divido os dias em dois períodos: manhãs são para o trabalho de edição na Dame Blanche e dos freelancer, as tardes são para meus projetos pessoais. Nem sempre dá certo, mas ter essa divisão ajuda a manter a mente tranquila: tenho tempo para fazer tudo, calma! No que dependesse só de mim, trabalharia apenas em um projeto por vez, mas como a vida é cheia de imprevistos e surpresas, às vezes me vejo com três manuscritos em fases diferentes do processo (no momento, por exemplo, estou editando um texto para publicação e começando outro durante o Nanowrimo… Pelo menos uma história é continuação da outra, então não me perco tanto!).
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Planejo o suficiente para ter uma ideia do território que vou cobrir, mas se precisar desviar desse mapa durante a escrita, desvio sem dó. Para mim, a graça de criar uma história é descobrir até onde os personagens se expandem dentro do cenário que propus, então ficar planejando tudo nos mínimos detalhes é tirar a alegria do jogo.
A última frase é sempre a mais difícil. Começos são sempre misteriosos, e não conheço autor ou autora que não fique burilando a frase de abertura de seus textos… Por isso, estamos preparados para a dificuldade. Mas no fim, a pessoa já está cansada da jornada, os personagens já estão prontos para encerrar a narrativa, mas como você diz adeus? Qual o momento certo? De que maneira você se despede dos leitores? Como causar um impacto? Sabemos como começamos, não sabemos como termina, e isso sempre me deixa desnorteada.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Venho do jornalismo, ou seja, fui treinada para escrever até embaixo do palanque em um dia de comício. A consequência disso é que não consigo escrever em silêncio! Cada projeto tem uma trilha sonora específica (que, confesso com algum constrangimento, toma boa parte do meu tempo de pesquisa…) e a primeira providência antes de abrir o caderno ou o processador de texto é colocar os fones de ouvido e me concentrar no som para entrar no ritmo da história.
Quanto ao ambiente em particular, sou uma autora ambulante: o caderno vai na bolsa ou no bolso para todo canto. De fila de cartório e de supermercado até salas de espera de médicos e dentistas, se tenho cinco minutos, estou escrevendo. Depois, passo tudo para o computador — e aí sim, tenho meu ambiente particular para trabalho. Há alguns anos, consegui converter um cômodo da minha casa em um escritório, e o “teto todo meu” (para citar Virginia Woolf) fez toda a diferença na minha concentração. Poder fechar a porta e avisar marido e filho “estou trabalhando” ajuda muito a levar tudo a sério.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Quando a concentração não veio trabalhar (e isso infelizmente acontece muito), eu apelo para o método Pomodoro: blocos de 25 minutos de escrita/edição e cinco minutos de descanso. Uso muito listas de música com o tempo já cronometrado – minha preferida mistura temas de “Star Wars” com música celta e hip hop (juro que funciona).
Também travo o acesso às redes sociais (uso um aplicativo chamado Cold Turkey) e mantenho o telefone longe, só por precaução.
Quando estou travada, não adianta insistir muito — vou fazer outra coisa! Às vezes, meia hora de tricô já resolve. Ou um bom café com biscoitos na cozinha (sem o celular, porque senão caio no buraco do coelho da Alice, vulgo Instagram). Ou ler alguma coisa longe do computador. O importante é reconhecer quando chega o momento de sair do jogo – exaustão não é algo do qual se orgulhar. Demorei algum tempo para aprender a reconhecer os sinais de fadiga em mim, agora quando percebo que a situação não está indo como deveria, faço uma pausa longe da tela.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Senhor Tempo Bom (Plutão Livros, 2020) demorou doze anos para ser escrito — até encontrar a forma final, foram muitas idas e vindas, muitos testes e tentativas para encontrar o tom certo. Tenho alguns textos inéditos que me custaram vários anos de pesquisas em assuntos muito longe da minha jurisdição (e tudo bem, se tem uma coisa que adoro é pesquisar e aprender coisas novas).
Tenho orgulho da grande maioria dos meus textos, mas o orgulho maior sempre é para o manuscrito mais recente, porque é onde você nota o quanto você evoluiu desde o começo de sua jornada como autora. Dito isso, tem um lugar especial no meu coração para “Feathers, Sea, Silk, Sky”, um conto que publiquei na revista norte-americana Abyss and Apex em 2021. A história faz parte de um universo que estou criando há alguns anos, e também é o resultado de uma mentoria com M.L. Clark, autore de ficção científica canadense — um evento divisor de águas na minha vida.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Boa pergunta… Não tenho a menor ideia de como as ideias surgem, apenas aceito que elas decidiram me visitar. Já escrevi sobre futebol (em um contexto fantástico e também como pano de fundo para um drama familiar), sobre viagens no tempo, sobre uma loja de tricô frequentada por seres mágicos, sobre plantas, sobre marinheiros, sobre criadores de cães no espaço… Basicamente, se o assunto me chama a atenção a ponto de morar dentro da minha cabeça, estamos aqui para explorar. Gosto muito de poemas, trocadilhos e jogos de adivinhação, e também gosto muito de espiar sites de museus para procurar histórias nas obras de arte — nunca se sabe onde você vai encontrar algo interessante!
Escrevo primeiro para me divertir, mas o meu leitor ideal é meu marido, Luis Mauro. Se ele gosta da história, então tudo funciona.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Sou uma autora bem supersticiosa nesse sentido: enquanto não termino pelo menos a primeira versão, não deixo ninguém ler. Depois disso, as primeiras pessoas a ler o material são meu marido, meus agentes literários e dois ou três amigos em cuja opinião confio (e que entendam do gênero que estou trabalhando). Daí é hora de trabalhar de novo para aparar as arestas.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
A “culpada” de tudo foi a Ruth Rocha. Ela visitou a minha escola quando eu tinha oito ou nove anos de idade, e a minha professora me escolheu para entrevistá-la junto com outros alunos, já que eu gostava muito de escrever e vivia na biblioteca. Conhecer alguém que vivia de contar histórias foi um momento mágico — se ela podia, por que não eu?
Obviamente, tive vários desvios aqui e ali — alguns anos no jornalismo, outros tantos em criação de conteúdo, um tempo estudando Relações Internacionais. Não dá para viver só de ficção no Brasil, já me conformei com o fato, mas mesmo esse argumento me impediu de escrever mesmo às escondidas por um bom tempo. Foi um longo caminho para reencontrar meu prumo e voltar a criar ficção — e tomar coragem para colocar minhas histórias no mundo.
Mesmo quando me tornei escritora em tempo integral, demorou para me assumir — foi meu filho que me deu o empurrão final, quando ele contou todo contente na escola que “mamãe escreve livros” e a professora veio perguntar se era verdade…!
Gostaria que tivessem me avisado que escrever é o menor dos problemas — editar o texto é que são elas… Ideia, todo mundo tem — mas se dedicar com afinco é a diferença (ainda que a dedicação seja escrever só cem palavras ao dia, escondida no banheiro da empresa — e sim, é um exemplo real).
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Dizem que eu escrevo como eu falo — e eis um problema, porque por muito tempo não gostava do jeito que falo… Ou melhor: fui condicionada a não gostar, de tanto que se queixam de que falo depressa e de maneira agitada. Mesmo com anos de fonoaudiologia e treinamento teatral para dosar o som da minha voz, eu ainda me agito quando estou contando uma história.
Esse é meu estilo. Assumi-lo fez um grande bem para minha escrita. Nunca serei controlada e precisa como J.G. Ballard, por exemplo. Eu sou uma pessoa que vai usar muitas figuras de linguagem, muitas expressões poéticas e um caminhão de diálogos (porque adoro escrevê-los), e quem quiser que me siga, ora bolas…
Com isso em mente, foi preciso muita tentativa e erro para encontrar um jeito de contar as coisas de maneira que soasse coerente e legível, e ao mesmo tempo que não parecesse (muito) com as pessoas que li. Todo artista passa pela fase da imitação, afinal. O jeito foi escrever e escrever até que as palavras soassem como eu falo.
Como disse, gosto de trocadilhos e de adivinhações, e gosto de como uma frase pode entregar vários mundos dependendo da entonação. Gosto de sentimento, puro e simples: nisso, Emily Brontë, A.S. Byatt e Walt Whitman me ajudaram muito a desenhar um estilo que pudesse chamar de meu. Também gosto do espírito de aventura, de ver a admiração do protagonista diante do cenário inesperado — sou grata a Jules Verne por isso.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Tenho lido muitos livros de não-ficção este ano, em especial biografias. Elke: Mulher Maravilha (de Chico Felitti) é um dos textos que ando panfletando aos amigos próximos.