Anna Clara de Vitto é poeta, autora de “Água indócil” (Urutau, 2019).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Além de escrever, também trabalho fora. Então, na maioria das vezes, começo meu dia com um café da manhã simples e rápido, antes de sair. Outro hábito que tenho é ouvir playlists durante o trajeto. Música e cafeína são o que me desperta! Durante dias menos cheios, mantenho essa rotina. Às vezes, saio para tomar café em alguma cafeteria, tenho várias favoritas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não identifico um período do dia em que, com certeza, estou mais disposta e produtiva. Na maioria das vezes, escrevo à tarde ou à noite. Pela manhã, prefiro escrever fora de casa, especialmente em cafeterias. Quanto a rituais de preparação para a escrita, não posso dizer que eu seja uma pessoa metódica, mas sempre me preocupo com o conforto do ambiente e tento não começar nada se estiver muito cansada ou agitada, porque isso dificulta ainda mais a concentração (me distraio muito facilmente com qualquer coisa).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Meu gênero preferido de escrita literária é a poesia. Escrevo conforme vem a inspiração, e isso faz com que eu escreva um pouco por dia, seja criando ou retrabalhando um poema. Não tenho uma meta diária de escrita, mas, para o primeiro livro (Água indócil, publicado em abril de 2019 pela Editora Urutau), lidei com a ideia de reunir ao menos cinquenta poemas. Agora, com a produção de uma plaquete artesanal em curso, busco escrever em torno de onze poemas. E esses números não têm nenhuma razão especial de ser, escolho-os de forma bastante intuitiva.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
De uma maneira bem resumida, a coisa toda acontece no fluxo inspiração – primeiro resultado – retrabalho – resultado definitivo. A dificuldade, às vezes, é conseguir dar forma à inspiração bruta, algumas imagens acabam não funcionando de saída. Aí, acabo guardando a ideia para outro momento, outro poema, em que ela sirva melhor. É muito comum eu começar um poema com um excesso de figuras e, ao retrabalhar, surgirem criações independentes a partir das imagens que “sobraram” no primeiro texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Cada vez mais, tenho procurado me ater aos progressos, pequenos ou grandes, e comemorá-los, em vez de ficar pensando que não estou fazendo o suficiente. Isso funciona bem contra a procrastinação, que paralisa justamente pelo receio da insuficiência. Já quanto ao medo do público leitor e à questão da ansiedade, gosto de dividir meus processos de escrita e os textos correspondentes com amigas escritoras, para trocar ideias com elas. Essa, aliás, é uma prática fundamental do Clube da Escrita para Mulheres, que coordeno junto com a Jarid Arraes, amiga escritora, poeta e cordelista que fundou o espaço em 2015.O Clube tem sido essencial para lidar com as inseguranças e dificuldades da escrita.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
É raro eu sentir que um poema ficou pronto de um fôlego só, sem precisar de edições. Geralmente, preciso retrabalhá-lo uma vez, no mínimo, para chegar a imagens limpas, contundentes e que não sejamfechadas demais, muito menos impenetráveis. É muito importante que o poema possa tocar as pessoas, que cada leitora ou leitor possa ter sua própria interpretação a respeito.Nesse sentido, acho essencialcontar com o apoio de amigues, para trocar impressões e mesmo arejar a mente, porque ficar imersapor muito tempo em um texto pode prejudicar a perspectiva do que funciona ou não funciona.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha prática de escrita flui melhor no computador, a grande maioria dos meus rascunhos está salva em meio digital (OneNote, drafts do Medium, e os clássicos arquivos do bloco de notas). Para organizar umlivro e concentrar todos os rascunhos importantes em um lugar só, uso o Scrivener, software específico para escritores, que possui recursos muito úteis. Escrevo à mão quando não posso dispor de computador, tablet ou celular, mas acho cansativo e não gosto da minha caligrafia. O lado bom dos manuscritos é o charme inegável da pilha de caderninhos cheios até a última linha!
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Crio a partir de situações cotidianas variadas, como caminhar pela rua, observar a cidade, entreouvir conversas soltas, pegar o transporte público. Além disso, me inspiro muito na militância feminista que exerço. Acredito que viver é um ato político, e escrever enquanto mulher não foge disso. Não acredito em literatura isenta, quem escreve sempre carrega consigo uma bagagem de lugar de fala e privilégios (ou a ausência deles). Por fim, também gosto de imaginar possibilidades de criação que extrapolem minhas experiências vividas. Apesar de todo texto possuir a marca de quem o escreveu, me atrai muito a ideia de criar com um olhar diferente, por exemplo, em cima de algo que não necessariamente aconteceu, mas que poderia. Nesse sentido, posso dizer que o hábito de exercitar o “e se…?” e o deslocamento do olhar rumo ao desconhecido são práticas que me mantêm criativa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Fundamentalmente, posso dizer que minha visão de mundo se abriu muito com o passar dos anos, até por conta da militância de que falei. Deixei de tentar imitar autores e autoras que admirava, como é até natural que iniciantes façam, e passei a prestar mais atenção naquilo que compõe minha voz poética própria. Se eu pudesse dar alguns conselhos à Anna Clara de 16, 17 anos, eu diria que não se preocupasse tanto em “ser igual” a alguém, que lesse mais mulheres em toda a sua diversidade, e que acreditasse que suas histórias merecem ser contadas e lidas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
De verdade, não sei dizer se há um livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe, há tantos livros maravilhosos no mundo! Quanto a projetos, gosto muito do que já comecei para o segundo livro de poesia. Será um conjunto de poemas que trata de um tema difícil (abuso), mas de uma perspectiva de cura e conexão, todo escrito em forma de cartas de amor.