Andréa Maia é escritora, autora de “O Arranhão da Gata”.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
As minhas manhãs são sempre muito corridas porque trabalho em uma agência de comunicação, onde produzo conteúdo sobre saúde para as redes sociais. Em tempos de pandemia e em home office, o volume de trabalho ficou bem maior que antes. Por isso, a minha rotina matinal é mais dedicada a esse trabalho. No entanto, eu tento avançar um pouco em algum livro que esteja lendo antes de começar o trabalho. E café da manhã é fundamental para começar o dia inspirada e com boas ideias. Quando elas surgem, sempre tenho um caderninho à mão para anotá-las. Hábito que eu sempre tive mesmo quando precisava me deslocar para o trabalho. A observação das ruas, das pessoas e do transporte público durante o trajeto sempre renderam boas ideias para contos e crônicas. Eu não sou uma pessoa muito ativa no período da manhã e esse não é o meu melhor período para escrever os meus textos de ficção, mas sempre são os momentos de observação e de anotações.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu me sinto mais produtiva nos períodos da tarde e noite. Como as tardes são dedicadas ao meu trabalho convencional, a noite acaba sendo o melhor horário para exercitar a criatividade. Não é que eu consiga ter essa disciplina para que todas as noites tenha um momento para escrever, mas quando é possível, esse o melhor período, quando as ideias fluem. Eu não tenho um ritual fixo para a escrita, mas de um modo geral eu gosto de me desconectar das coisas do dia, do celular, das notícias, da televisão, para ter um momento de reflexão sobre o que eu quero escrever, para repassar anotações, separar o que ainda parece interessante daquilo que pode ser descartado. Música sempre é boa companheira nesses momentos e me ajudam na concentração, principalmente porque eu gosto de associar um tipo de trilha sonora ao que estou escrevendo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu tento colocar a escrita dos meus textos na rotina diária, mas não são todos os dias que consigo escrever. Ainda não sou uma escritora disciplinada, mas tenho essa ambição. A frequência e a disciplina contribuem muito para melhorar a qualidade do texto e aprimorar estilo. Mas já ocorreu de ficar muito tempo sem escrever e de repente surgirem períodos de uma produção mais intensa, dedicados à escrita por vários dias, com mais horas por dia. A escritora que mora em mim tem lá os seus caprichos. Períodos de muita apreensão, como o que estamos vivendo agora, favorecem momentos mais introspectivos e textos mais melancólicos e nem sempre eu faço as pazes com eles. Por isso, eu tenho um pouco de dificuldade em colocar uma meta de escrita diária atualmente. Procuro aproveitar os momentos de inspiração de forma mais livre, mas acredito que metas funcionem. Já tive períodos de colocar uma meta diária de uma hora para sempre escrever algo que tivesse sido uma observação marcante daquele dia. Nem tudo foi aproveitado, mas foi um exercício importante.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu sou uma pessoa ansiosa por natureza e até por isso gosto de começar logo, mesmo que depois eu modifique muitas vezes. Não tenho dificuldade de passar das anotações para o texto em si. Como a minha escrita ainda é focada nas histórias curtas, acredito que isso reduza a dificuldade de começar e finalizar um texto. Mas eu penso muito e tenho vontade de escrever um romance, histórias mais longas, e para isso é necessário um período maior de pesquisa e acredito que a transição para a escrita possa ser mais demorada. De qualquer forma, eu tenho como premissa não adiar começar uma história, mesmo que depois ela fique descansando um tempo até que eu levante mais dados para retomá-la.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando essas barreiras surgem e a escrita não flui, o melhor é parar e respirar. Claro, que se houver um prazo de entrega, um compromisso, esse período não pode ser muito longo, mas forçar é uma coisa que não funciona para mim. Simplesmente o texto não vai ficar bom. Eu mesma não vou achar bom e não vai avançar. Quando me sinto travada, eu gosto de dar uma pausa para o cérebro, se possível, para ajudar a estimular a minha criatividade. Ver uma exposição ou fazer uma leitura não relacionada ao que eu quero escrever me ajudam nisso. Um exercício bom para mim é ler poesia. Isso sempre me ajuda a destravar, a desenvolver um olhar mais sensível para o todo e geralmente me inspira.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quem escreve nunca acha que o texto está bom, que está pronto. Isso é um fato que eu acho que acontece com quase todo escritor. Por mais que eu revise, eu sempre vou querer mudar alguma coisa, mas é preciso saber a hora de parar de fazer isso. Uma vez, em uma oficina de escrita do Prof. Assis Brasil, ele me disse uma frase que ficou gravada como estímulo. “Só não recebe críticas quem não se expõe”. Eu acho importante mostrar os textos para outras pessoas antes de publicá-los, principalmente para pessoas que tenham outro estilo, outro olhar. Mas eu também já tive alguns textos que não mostrei a ninguém e publiquei. Confiei apenas no meu olhar e é sempre um risco. O que não pode acontecer nunca é deixa-los na gaveta ou, o mais comum hoje em dia, em algum arquivo escondido no computador. O que um escritor tem a dizer deve ir para o mundo. As críticas virão, boas ou não, mas fazem parte do processo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu gosto de tecnologia e ela facilita muito a nossa vida em tudo. Acredito que o nosso tempo é o atual e a gente tem que acompanhar a evolução e aprender tudo que há de novo e útil para o nosso dia a dia. É muito importante ter os textos salvos na nuvem e em mais de um lugar para não correr o risco de perdê-los. Mas, por outro lado, eu sou amante dos caderninhos de anotação. Sempre haverá um na minha mesa de trabalho, na minha bolsa, na mesinha de cabeceira. Sou adepta das anotações no papel, principalmente porque as ideias podem surgir em qualquer lugar, mas não deixo de passa-las para um arquivo no computador depois. Eu gosto do processo de anotar à mão, de não deixar escapar aquela ideia naquele momento, de rabiscar. Então os primeiros rascunhos mesmo são sim à mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As minhas ideias vêm mais da observação do cotidiano. Sempre fui muito observadora e também boa ouvinte. Acredito que esses hábitos sempre me ajudaram a estimular a criatividade: observar, ouvir e anotar todas as ideias (por isso o caderninho à mão é fundamental). Eu já criei um final fictício para histórias que ouvi no ônibus, para histórias de amor de amigos, que não terminaram tão bem na vida real, para histórias que eu não tinha como saber como terminaram, mas que me estimularam a pensar e criar outra narrativa para elas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que aprendi a dosar a ansiedade na hora de escrever, a me demorar mais para finalizar uma história ao invés de descarta-la porque achei que não estava boa. Acho que o que mudou foi não abandonar projetos. Hoje eu insisto mais neles e tento me aprofundar. Se eu voltasse aos meus primeiros textos talvez eu retomasse alguns que abandonei e daria uma nova chance a eles com mais observação e profundidade.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever um romance, uma história longa, mas cativante, com personagens fortes. Esse é um projeto que ainda não comecei, mas que está nos planos. Tenho estudado mais sobre escrita criativa para coloca-lo em prática. Tenho lido mais também. Faço parte de um Clube de Ficcionistas (@clubedeficcionistas no Instagram), onde lemos mensalmente um livro e fazemos uma análise do ponto de vista da escrita, do processo criativo e da estrutura do texto. Aliás, convido a quem gosta de escrever que nos siga por lá e participe, que é bem bacana. Tudo isso tem me ajudado muito a pensar em uma escrita mais longa, além dos contos e crônicas, que é um terreno em que me sinto mais confortável Acho que o livro que eu gostaria de ler e ainda não existe é esse, um romance escrito por mim.