André Argolo é jornalista e mediador de escrita literária.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Tento escrever de manhã cedo. Recentemente, muito recentemente mesmo, consegui organizar um roteiro básico de escrita de uma prosa mais comprida. Isso vem funcionando muito bem para mim, me permitindo criar dentro dessas janelas pré-estabelecidas, para capítulos por exemplo. Tipo: “acontece isto, depois isto”. As coisas mudam, claro, conforme a criação do texto. Mas é uma trilha básica e vem ajudando. Tendo este projeto em andamento, outro texto paralelo me atrapalharia, não tenho neurônios suficientemente capazes para isto, nem tempo: tem coisas pra fazer na casa, com a família, tem o trabalho de ganhar a vida, atividades que, juntas, tomam a maior parte do tempo e da energia.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
É uma continuação do que vinha contando: antes não fazia isso, mesmo tendo lido tantos e tantos depoimentos a respeito, de ter tido aula de romance, entendendo a necessidade desse planejamento, ao menos para a maioria dos autores e das autoras. Mas teimosamente não planejava bem. Agora que fiz algo assim vejo que é mesmo muito bom! A gente escreve para contar uma história que já tem alguns rumos, de gente que já existe na cabeça (e no papel). E assim eu consigo me concentrar no texto mesmo, em como vou contar, além do quê. Não sei responder se o mais difícil é a primeira ou a última. Até hoje me dediquei à escrita de poemas e prosa curta que foram publicados. Nesses casos, nem a primeira nem a última, mas os acertos, as correções, os cortes: estes, sim, foram os versos e frases mais difíceis.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Gostaria, sim, de silêncio em redor e da possibilidade de me levantar, escrever na parede, sair falando sozinho, coisas que me ajudam a manter a concentração na história, a encontrar encaminhamentos, ser mais criativo, inusitado. Mas isso não é possível na maior parte do tempo. Rotina, vejo esta, de escrever logo ao despertar. Depois de um sono da tarde também é bom. Talvez a velhice me traga isto de presente, tanto uma rotina menos cortada quanto momentos de silêncio e certo enlouquecimento solitário (sem assustar ninguém em redor).
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Papel não fica branco comigo por muito tempo, não. Já entendi há tempos que, se não há uma ideia pronta, assim que a gente começa a escrever algo se aciona. É como ficar batendo em pedras, buscando uma faísca. Mais difícil, bem mais difícil, é fazer fogo. Quando a gente provoca — cada pessoa pode ter suas próprias estratégias — algo acontece, no que diz respeito à escrita. Alguma coisa tende a prestar a partir disso. Tudo, não. Achar que tudo presta do que a gente escreve é normalmente ingenuidade ou arrogância. Ou genialidade, o que não é o meu caso.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Eu gosto muito do meu primeiro livro, Vento noroeste, que saiu pela Patuá (2014). O resultado, como um todo, ficou legal. Escrevi o que achava que devia registrar naquele momento, um certo modo de ver o mundo, e, quando releio, ainda me vejo nele, gosto de algumas soluções. Mas de todos os textos que já tive publicados o que mais gostei foi um conto chamado “O livreiro de Kerguelen”. Foi para a coletânea Isolamento, que saiu pela editora Caos&Letras, organizada pelo Nelson de Oliveira. Ter escrito esse conto e sido publicado numa edição caprichada, entre grandes autoras e autores foi muito honroso. Mas o texto mesmo foi o que me deixou mais feliz, porque fiz sem freio nenhum, sem medo de parecer bobo. A famosa tecla F, sabe? Simplesmente me soltei e sorri. E é isso que mais quero com a escrita, que eu me divirta com ela.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Há autoras e autores que têm públicos. Outros, talvez a maioria, não. Apenas leitoras e leitores ocasionais. Dessas e desses, pipocam aqui e ali algum comentário. Poucos mesmo. Então, não. Os poemas, os contos, o romance em que trabalho são flechadas sem alvo. Se pegar em alguém depois eu peço desculpas. E dos temas: dos livros de poemas (tenho dois inéditos) eu fiz algum recorte, sim. Da prosa, não. A prosa que tento fazer é mais doida. Pode até partir de uma provocação específica — Isolamento, por exemplo, é de textos sobre a pandemia —, mas aí fluem soltas. É assim que me divirto mais, descobri.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Difícil essa, heim? Mostraria com a coisa mais bem acabada para mim. Mostraria se, depois de reler, de ter editado, de ter feito minha própria crítica, tivesse alguém com essa disposição. Se tivesse dinheiro para isso eu pagaria por leituras críticas, porque esse é um trabalho específico, que exige repertório, tato, experiência. Portanto, acho que no máximo tenho meus editores e minhas editoras mesmo. Já é bom.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Se alguém te contasse, ao nascer, que se apaixonar poderia ser uma baita roubada, que ter filhos seria um complicador também, não só a parte maravilhosa, se dissesse que não há justiça nem Deus, que todas as pizzas de sua vida virariam barriga e lentidão, o que teria feito com essas “informações”? Processo. A palavra é processo. Não! Não acho que devamos ir à justiça contra alguém, me refiro aos tropeços, fracassos, decepções, descobertas que fazem a vida tanto quanto os eventuais sucessos, encontros, prêmios. Em que parte do processo eu estou, no caso da escrita? Sou um bebê. Portanto, não me conte nada, por favor (senão eu processo!).
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Antes, é preciso esclarecer um ponto de vista: sou um autor porque me meto a, porque tenho a sorte de ter sido publicado, porque insisto em fazer projetos, em escrever. Não vendi quase nada, não sou um escritor profissional, perdi todos os prêmios que disputei. No sentido capitalista, sou um fracasso. Sou um autor no sentido do que incentivo outras pessoas a fazer, que é o de exercer o direito à literatura. Não pensei sempre assim, é coisa mais recente. Acho que eu tinha ilusão de ser mais do que posso alcançar. Mas o que ficou disso é melhor ainda, uma liberdade. Dito isto, não sei dizer se tenho um estilo definido. Não sei ver isto em minha própria escrita. Muitos autores e muitas autoras me influenciam (palavra que vem sendo combatida, mas ela me faz sentido, a influência). Acho que infelizmente nenhum me contaminou o suficiente. Infelizmente mesmo.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Vamos comprar um poeta, de Afonso Cruz, editora Dublinense.