Anderson Villadala Antonangelo é poeta, autor de Fantasmagorias (Ed. Gota, 2018), e mestrando em teoria literária na Universidade do Minho, em Braga, Portugal.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Isso é bastante variado, mesmo porque tenho o hábito de esticar a noite em escrita e estudo. Mas, num dia normal, procuro tomar um café da manhã leve, um balde de café preto e trabalhar no processo criativo, principalmente em pesquisa. Deixo a parte da escrita para mais tarde. Minha manhã costuma ser preenchida por pesquisa, leitura.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho nenhum processo de preparação. Busco tratar como um ofício. Procuro concentração e inicio o processo. Normalmente, as manhãs são melhores para as minhas leituras, mas é no fim da tarde e noite adentro que costumo escrever mais. Acredito que isso ocorre pois é o período em que já ruminei bastante as ideias com que quero trabalhar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não possuo uma meta específica, mas escrevo, sim, todos os dias. Na FLIP de 2015, assisti a uma mesa da Matilde Campilho, poeta portuguesa, descrevendo como era importante sentar-se todos os dias à mesa e submeter-se à escrita, ainda que pareça que não há inspiração alguma. Essa fala dela mudou minha vida. Passei a dedicar tempo mínimo a escrita e leitura diariamente, e isso me trouxe outra perspectiva. Então, ainda que apenas pesquise ou faça exercícios poéticos, todos os dias escrevo um pouco.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Em verdade, a escrita, para mim, é relativamente simultânea à pesquisa. Normalmente, parto de uma ideia central, e permito-me rabiscar. As demandas da pesquisa vão surgindo conforme vou escrevendo. Em alguns momentos, quando quero explorar uma ideia mais complexa, faço sim uma pesquisa mais extensa acerca do tema, e aí elenco as principais palavras que gostaria de utilizar naquele contexto. O salto é imediato: quando a pesquisa me parece suficiente, pulo para a organização das ideias no mesmo momento, e aí, num terceiro momento, trabalho na forma que quero dar àquele conteúdo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não creio muito no mito de travas na escrita. Acho que a trava representa um traço psicológico do autor, que pode ser refletido em outros aspectos de sua vida também, não apenas na escrita. Acredito que há de se ter objetividade: a procrastinação, para o escritor, é algo fácil de ser resolvido. Basta sentar e escrever. Se houver procrastinação, vale o escritor se perguntar se sabe o que quer escrever ou mesmo se quer escrever. Corresponder às expectativas, em outro momento, foi meu maior obstáculo. Procuro opiniões de próximos, mas precisamos pensar na nossa subjetividade envolvida. Já vi poemas que considero fundamentais, para mim, não tocarem outras pessoas o quanto pensei que fossem, ou tocarem de uma maneira diferente. Já vi poemas que eram puros exercícios poéticos pousarem no peito de outros. E, de maneira geral, acredito que a arte não seja sobre corresponder a expectativas. Talvez, em muitos momentos, seja exatamente explicitar a artificialidade dessas expectativas. Sobre a ansiedade de trabalhar em projetos longos, cabe disciplina ao poeta, ao escritor. Nesse caso, creio que estabelecer metas diárias possa ser um caminho interessante.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Procuro revisar ao menos duas vezes, sempre há algo que escapa, seja a mínima questão gramatical ou uma carga semântica mal aplicada. Costumo, sim, mostrar, para duas ou três pessoas próximas que sei que têm fundamento técnico para construir uma crítica ou para me dar orientações para um caminho mais adequado à minha ideia.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho uma relação funcional com a tecnologia. Sou o administrador de uma página sobre poesia, a Cardiopoesia, e costumo passar meus textos para o computador assim que prontos por uma questão de organização. Mas escrevo os rascunhos à mão, sempre. Não por purismo, mas por hábito. Ando com um caderninho comigo o tempo todo. Ultimamente, tenho utilizado o WhatsApp como um “bloco de notas” também. Criei um grupo com meu irmão e o exclui. O grupo do eu sozinho. Assim, quando preciso anotar algo mas estou na correria, mando uma mensagem para o grupo e consulto mais tarde.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Dividiria minhas ideias em três eixos principais. O primeiro representa as vivências, como acredito que deve ser para a maioria dos artistas. O segundo é relativo às interações que tenho com a arte. Pode ser pela própria poesia, mas principalmente por fotografia, cinema e pintura. Tento apresentar uma perspectiva pessoal sobre algo que tocou o coração de outro artista. E o terceiro, absolutamente cotidiano, é pedir para amigos e conhecidos me oferecerem uma palavra. Os amigos já sabem que eventualmente vou mendigar palavras a eles. Muitas vezes exploro uma ideia relacionada a ela, muitas vezes a parte sonora. Alguns poemas meus premiados saíram de palavras oferecidas por pessoas próximas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Creio que o principal componente de mudança é a aquisição de técnicas diversas. Trabalho com sonoridade, ritmo, montagem da mancha gráfica do poema, intenção da metáfora, campo semântico, intenção da pontuação etc. Esses são elementos que acabamos desenvolvendo com o tempo, além de percebê-los em nosso hábito de leitura. Para mim, é fundamental que um escritor, um poeta, seja também um ávido leitor. Por mais que isso pareça óbvio, vejo muitas pessoas que têm a intenção de escrever mas deixam a escrita de lado. Se pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos, diria a mim mesmo para dedicar mais tempo à leitura do que eu dedicava no começo da adolescência, que foi meu período inicial de escrita. Além disso, diria para manter a confiança na produção, pois é muito fácil desanimar perante o panorama de leitura no Brasil, ainda mais em relação à poesia.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Desenvolvo alguns projetos com outros poetas, artistas de outra área, e alguns projetos temáticos pontuais. No entanto, um projeto que ainda quero fazer andar é o de escrever um livro de prosa. Talvez um romance, talvez um livro de contos (opção que, em princípio, me atrai mais). Vou deixar essa ideia amadurecer e fazer tentativas quando achar que é o momento ideal. O livro que gostaria de ler e que ainda não existe… realmente não saberia dizer. Quando leio um livro, a minha expectativa é que ele toque no âmago; que ele não apenas arranhe a superfície, mas que ouse revirar aquele profundo intocado. E felizmente, há livros assim. Não tantos, mas estão por aí. Gostaria é que existissem mais desses. Reflexos de sensibilidade que saem do peito alheio e vêm mudar a minha vida. As nossas.