Ana Cláudia Trigueiro é psicóloga e escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho, mais por força do hábito, do que como fruto de um planejamento sobre isso. Após o café da manhã, sempre leio, porque a cabeça está descansada. Então é um ótimo momento para desfrutar de literatura. Vou para o sofá da sala e leio por pelo menos uma hora.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
À noite, após todos terem se recolhido, é a melhor hora para mim. Minha família é grande: esposo, três filhos adolescentes e uma cadela, então você já imagina o quanto minha casa é ruidosa. A partir das 22h, quando a casa fica silenciosa, escrevo. Nunca me recolhi a um escritório porque não queria ficar longe dos meus filhos. A escrita feminina tem essa particularidade, acredito eu. Os homens parecem se sentir menos culpados em se retirar para escrever, mas as escritoras da minha geração ainda recearam fazer isso. Lembro das muitas vezes em que escrevi em um corredor com as crianças em volta. Era uma aventura. Depois que eles cresceram montei um escritório e eles vinham, sentavam-se em uma poltrona e liam, enquanto eu trabalhava. Mas o escritório foi desmontado e hoje é um quarto cheio de livros, rs.
Não tenho um ritual de preparação para a escrita. Geralmente acontece assim: as histórias nascem dentro de mim e vão me empolgando à medida em que penso no desenvolvimento delas. Quando finalmente chego ao notebook, estão quase prontas, mas pode haver reviravoltas e uma história virar outra bem diferente da ideia original. Uma vez escrevi sobre isso em uma crônica:
“…à medida que vou escrevendo, as histórias vão se aprontando digamos, para sair de casa. Eu meio que as visto para o leitor, coloco os adereços, perfumo-as, se for o caso de algo romântico, ou coloco-lhes bandeiras ¾ até mesmo espadas ¾ nas mãos, se o texto for um manifesto, por exemplo…”
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco todos os dias, principalmente crônicas e contos. Quando estou escrevendo romances, tenho quatro publicados, aí me dedico somente a eles por um tempo incluindo finais de semana, até terminá-lo. Nunca estipulei metas. Literatura é de outra ordem para mim. É prazer, convocação emocional.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tenho dois romances históricos. Precisei fazer muitas pesquisas para concretizar as obras. Em relação ao romance O mistério do Verde Nasce foram três meses de pesquisa antes de começá-lo. Uma vez iniciada a história, foram necessárias mais e mais pesquisas, que ocorreram simultaneamente à escrita. É que eu inventava algo novo e percebia que sobre aquilo nada sabia, aí recorria aos livros de história, à Biblioteca Nacional etc. Ia encaixando conforme as novas pesquisas, reescrevendo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Essas travas são terríveis! Ao longo do meu percurso, aconteceram algumas vezes. A procrastinação também tem relação com o medo de não corresponder às expectativas. Percebi que se tornou mais frequente, à medida em que conseguia publicar, me tornei conhecida aqui no meu estado e recebia feedbacks sobre as obras. Já foi pior. Após nove livros, algo se tranquilizou dentro de mim com relação a isso.
Se eu puder aconselhar jovens escritores, direi o seguinte: escreva para satisfazer o seu desejo de dar sua visão literária da vida. Para se satisfazer em primeiro lugar, para ser feliz! Aprimore sua arte por amor a ela, porque há algo de sagrado na literatura e é preciso estar à altura disso. Mas que não seja porque outras pessoas acham que você tem de escrever isso ou aquilo, dessa ou daquela forma. Tire suas histórias do seu próprio coração.
Não tenho ansiedade de trabalhar em projetos longos. O momento em que estou escrevendo um romance é prazeroso. Amo essa solidão. Quando acaba, sinto saudades desse tempo. Muito parecido com o que García Lorca escreveu em “O Prólogo”:
“Deixaria neste livro toda a minha alma. este livro que viu as paisagens comigo e viveu horas santas. Que pena dos livros que nos enchem as mãos de rosas e de estrelas e lentamente passam!...”
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso umas mil vezes, rs. E depois, quando sai a publicação e percebo erros, fico chateada, rs. Com o tempo percebi que quando se escreve tanto, alguns equívocos estilísticos, ortográficos e de conteúdo mesmo (escolha de palavras e frases), inevitavelmente acontecerão, mas me empenho que o produto final do que faço seja o mais depurado possível.
Mostro meus livros para amigos que são leitores. Pessoas de confiança. Também mostro a profissionais envolvidos em um tema específico por exemplo, se necessitar de orientação sobre o assunto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tudo meu é digitado. Não escrevo à mão desde a adolescência, rs. Há três anos ganhei uma máquina de datilografia de presente de aniversário do meu esposo. Uma amiga sugeriu que passasse a escrever nela. Que era mais romântico e tal. Nem tentei. Sei que não daria certo. O computador é uma tecnologia essencial ao escritor de prosa longa como eu. A criatividade e a poesia estão presentes em tudo o que escrevo e a tecnologia não interfere nisso, como alguns nostálgicos querem fazer crer, rs.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Costumo dizer que meu material é a vida, mas, é claro que leio bastante. Principalmente os gêneros sobre os quais escrevo. No momento, estou escrevendo uma serie de suspense investigativo. Na adolescência, li toda a obra de Arthur Conan Doyle, um pouco de Edgar Allan Poe, Agatha Cristhie etc. Do ano passado para cá, tenho lido os espanhóis Dolores Redondo e Carlos Ruís Zafón. O escritor tem de ser leitor. Não acredito em escritores que não leem. Sou tão radical nisso, que afirmo: um escritor que não lê por opção, não tem o direito de ser lido.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Adorei essa pergunta. Mudou muita coisa desde que comecei a escrever aos vinte e pouco anos. Agora, aos quarenta e oito, estou mais madura, mais segura da qualidade dos meus textos e acho que cometo menos equívocos também, rs. Meus textos são mais enxutos, mais políticos, mais convictos. É difícil avaliar a própria obra, mas acho que é isso.
Nossa… o que eu diria a mim mesma? Algo como: “Garota você é muito boa, mas precisa se desapegar dessa influência europeia que te acompanha desde sempre. Leia mais escritoras, principalmente as da Ásia e as da África. As brasileiras negras e os escritores indígenas também têm muito a te ensinar.
Não tenha medo de se apresentar como escritora, ouse divulgar seus livros, ofereça-os às pessoas. Não se sinta intimidada com as críticas. Filtre as que são bem-intencionadas, das que só querem te inferiorizar. Tenha a coragem de enfrentar homens que se dirigirem a você com ar de superioridade, tentando ensinar algo que eles imaginam que você não sabe, apenas porque é mulher.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou com alguns projetos em andamento e alguns iniciados e parados. Um, que ainda não comecei, mas que desejo muito concretizar é a continuação do meu penúltimo livro, Deep Blue. Voou contar a história de um personagem que se destacou, o Diego.
Um livro que gostaria de ler e ainda não existe é a continuação do infantojuvenil da Rainbow Rowel, “Eleanor e Park”. Queria saber como eles seriam, adultos. Amei esses dois personagens, principalmente, a Eleanor, uma das personagens mais sofridas e cativantes que já conheci.