Alexandre Lobão é escritor, autor de A Bíblia do Escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Nada de muito especial: uma caminhada ou natação, em dias alternados. É importante manter uma rotina que inclua exercícios, porque se o corpo não está bem, a mente acaba também não funcionando em seu melhor desempenho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Normalmente escrevo melhor no início do dia, quando o corpo está descansado e a mente alerta; mas costumo escrever a qualquer momento que tenha tempo disponível. Acho que essa facilidade se deve ao meu “ritual de preparação”, embora não seja exatamente um ritual: muitas vezes, quando não estou ao computador, estou escrevendo mentalmente. Começo trabalhando ideias, elaborando mentalmente como elas se conectam, mas quando as ideias já estão organizadas, chego a pensar na forma exata como escreverei, palavra por palavra. Aí, quando chego a um computador, basta “passar a limpo” aquilo já escrevi. Uma vez que nos habituamos a isso, o (pouco) tempo que temos para escrever é sempre bem aproveitado.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou escrevendo algo sob encomenda, tenho uma meta diária até modesta – 800 palavras. Prefiro ter uma meta baixa e quase sempre superá-la, do que ter uma meta mais ousada e por vezes nem começar a escrever por preguiça ou por achar que não teria tempo para atingi-la.
Quando são livros de paixão, e não de patrão (termos que copio do amigo escritor Maurício Melo Júnior), busco também ter uma meta, mas na prática o que ocorre é que acabo pulando alguns dias, e em outros escrevendo muito.
Independente da forma, acredito que é importante seguir uma regra: parar de escrever quando ainda estamos com vontade, quando parte de nossas ideias ainda não foram para o “papel”, pois isso nos estimula a querer continuar a obra o mais rápido possível.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Já experimentei muitos métodos, até porque acho que buscar novos métodos de escrever, além de ser educativo, é bem divertido.
Um dos romances de que mais me orgulho, As Incríveis Memórias de Samael Duncan, foi escrito usando o método “Sentar e Escrever”, como fazem Stephen King e André Vianco, por exemplo. O resultado ficou muito bom, e – confesso – o final surpreendeu até a mim mesmo, que não esperava por ele até escrever as últimas páginas. Neste caso, eu simplesmente decidia o rumo do próximo capítulo, fazia as pesquisas básicas e ia aprofundando à medida em que a narrativa o pedia.
Já para escrever meu O Nome da Águia, um thriller de ação com muita pesquisa histórica, no estilo page-flipper, utilizei o método “Snowflake” ou “Top-Down”, onde a partir da premissa inicial realizei dois anos de pesquisas, coletando notas e amadurecendo a história em minha cabeça e a partir de trocas de ideias com amigos. Quando a ideia estava “sólida” o suficiente, produzi os pontos de virada, fiz um resumo da futura obra, detalhei os personagens, escrevi as cenas, reorganizei-as e só então comecei a escrever. O primeiro capítulo que escrevi foi o último, pois eu estava tão empolgado com o rumo da história que queria ver como ela acabava, e só então comecei a escrita dos demais, iniciando pela “trama histórica” (cerca de vinte capítulos entremeados entre as demais tramas) para depois escrever as outras tramas.
O mais difícil, realmente, é escrever a primeira frase, que precisa ser uma frase de impacto e capturar a atenção e despertar a curiosidade do leitor. Não porque a escolha de palavras seja difícil (isso pode até ser melhorado depois), mas principalmente para achar a “voz” certa para o livro, o “tom” que vai melhor apresentar aquela história.
Tudo pode ser ajustado depois, mas ajustar o “tom” é bem difícil e muito passível de erros; correndo o risco do resultado final não soar bem para o leitor, por isso esta definição inicial é tão difícil quanto crucial.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não costumo ter bloqueios quanto a medos, ansiedades ou dificuldades criativas, talvez por este hábito de escrever mentalmente quando não estou ao computador. Agora, embora já tenha ouvido alguns amigos escritores dizerem que eu sou uma “máquina de escrever”, confesso que por vezes a procrastinação é um problema quando estou começando um novo livro. O que faço para combater é simples: faço um cronograma para o livro, indicando datas finais para cada parte (pesquisa, premissa, personagens, pontos de virada, etc.) estarem prontos. Ter datas definidas, mesmo para projetos pessoais, me ajuda a manter a procrastinação a um mínimo, ao ponto de quando eu passo um ou dois dias sem escrever, começo a me sentir incomodado, por saber que corro o risco de “perder um prazo”.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Antes de responder, vale lembrar como se deve fazer uma revisão de livro.
Primeiro, penso que o ideal é seguir a dica de Stephen King em seu livro Sobre a Escrita: “antes de revisar, você deve esperar em torno de três meses, ou até que que você comece se interessar por outro projeto”.
E em segundo lugar, é importante lembrar que uma boa revisão não é só “dar uma lida” do início ao fim do livro, é seguir a ideia de peneiras ou filtros de revisão: a cada leitura, o autor busca avaliar e ajustar um ponto específico. Por exemplo, para revisar se os diálogos estão bons, basta ler os diálogos, não todo o livro. Para revisar se cada capítulo termina de forma a deixar o leitor em suspense, deve-se ler apenas os finais de capítulo. Para revisar as cenas de tensão e avaliar se elas estão incluindo vários sentidos (visão, tato, paladar, audição, olfato, intuição) para aumentar a imersão do leitor, basta reler estas cenas. E por aí vai. Em meu livro A Bíblia do Escritor há um capítulo inteiro dedicado à etapa de revisão.
Então, seguindo estas dicas, o mínimo de revisões que faço é em torno de dez ou quinze, sendo algumas bem rápidas (como ajustar a ordem das cenas e entrelaçamento das tramas, algumas das primeiras) e outras bem demoradas (como as últimas revisões, onde o livro precisa ser quase inteiramente lido).
Após minha última revisão, eu usualmente envio o livro para leitores-alfa, que são escolhidos conforme o público-alvo do livro. Usualmente são amigos ou amigos de amigos, mas já realizei algumas “chamadas gerais” em grupos de leitores na internet, selecionando aqueles que parecem mais interessados e buscando uma maior variedade de opiniões.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador, embora possa realizar algumas anotações à mão quando estou reunindo ideias (caso não tenha computador ou celular por perto). Também crio os mapas mentais e respondo às entrevistas com personagens direto no computador. No entanto, há algumas etapas que prefiro realizar à mão, como por exemplo imprimir pequenas fichas com as cenas e depois organizá-las lado a lado, em uma linha para cada trama, respeitando a evolução temporal entre tramas paralelas. A partir daí vou reordenando para gerar o efeito que eu desejo, e procuro por “buracos” nas sequências das tramas, validando, por exemplo, se em uma trama acontecem coisas demais enquanto as tramas em paralelo estão evoluindo mais devagar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Leio sempre muito, em especial livros de ficção que contem histórias que tenham alguma coisa a ver com os projetos que tenho em mente no momento (usualmente, vou evoluindo as ideias de dois ou três livros de cada vez), para avaliar que ferramentas narrativas cada autor utilizou para explorar as questões que pretendo abordar. Uma vez que uma ideia está mais adiantada, também leio muitos livros de não-ficção sobre temas associados aos personagens e ao status quo onde vivem, como por exemplo livros sobre o local e época das tramas ou sobre as profissões dos personagens.
Fora isso, estou sempre atento aos sonhos que tenho e mantenho uma postura de “observação ativa” em relação a tudo o que me cerca. Toda vez que aparece uma ideia, eu a registro em um banco de ideias, ou a acrescento a uma ideia associada que já esteja no banco. Assim, o cérebro fica cada vez mais atento aos detalhes do mundo, e as ideias não correm o risco de serem esquecidas por conta dos outros projetos que eu tenha no momento.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que antes eu escrevia muito “por instinto”, e acho que o resultado era bom.
No entanto, ao estudar mais sobre técnicas de escrita e, principalmente, pelo amadurecimento que só muitos anos de escrita trazem, hoje consigo agregar à minha escrita “instintiva” uma parte racional, que entende o que está fazendo, e o resultado com certeza é melhor.
Quanto ao conselho, eu diria para não desanimar, nunca, porque persistir é provavelmente o que é mais difícil no início da carreira. Acredito sinceramente que existem dois tipos de escritores: os que fazem sucesso, e os que desistem antes de fazer sucesso. Já escrevi livros inteiros que nunca foram publicados, pois ao chegar ao fim descobri que podia fazer melhor, de outra forma. O primeiro livro de um escritor nunca será tão bom quanto o décimo, mas só quem chega ao décimo começa a ter maturidade para entender isso e perceber que precisa chegar ao vigésimo, ao trigésimo…
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e que ainda não existe?
Estou empolgado com um livro que estou acabando, sobre técnicas para produção de roteiros de Histórias em Quadrinhos, com os roteiristas Leo Santana e Gian Danton, mas estou bem animado com um novo projeto que vou começar e que espero que dê um nó na cabeça do leitor, ao melhor estilo das obras de Philip K. Dick…
O livro que estou esperando para ler, há anos, é o capítulo final de Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, um grande mestre na utilização do ponto de vista do personagem na voz do “narrador”.
Fora este, o livro que gostaria de ler e que ainda não existe é um projeto futuro que já está em minha cabeça há algum tempo, um livro onde o “personagem principal” é uma cidade, com muitas tramas em paralelo, encadeadas pelo que parece ser mero acaso, e que acabam por convergir em uma grande surpresa final. Será um trabalho bem divertido de fazer, e com certeza terei muitos meses pela frente elaborando detalhes e aprofundando as histórias.