Alexandre Coslei é jornalista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou noturno, escrevo à noite. Minha rotina matinal é comum, acordo, tomo café e uso as manhãs para revisar o que escrevi na noite anterior. Depois, é trabalhar em qualquer coisa que traga dinheiro, pois literatura que sustenta um escritor ainda é privilégio para poucos no cotidiano do nosso país, infelizmente.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
É espontâneo, sinto-me mais à vontade e envolvido escrevendo à noite. Raramente escrevo durante o dia. Porém, acredito que práticas diurnas sejam mais produtivas, sempre planejo inverter meus hábitos e passar a escrever durante o dia.
Não sou de rituais, o que faço é impor o mínimo de organização ao meu cantinho de trabalho antes de soltar as ideias no papel. Guardo a impressão de que bagunça ao redor prejudica a organização da escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever todos os dias e sou assolado por uma culpa quase religiosa quando não escrevo. Isso não impede que eu me afaste da escrita em alguns períodos. É algo difícil de explicar, sinto a necessidade da palavra misturada à repulsa de me ver confrontado pela página em branco. O escritor em mim vive em conflito com o meu desbotado espírito pragmático questionando a utilidade de escrever. Ao mesmo tempo, não consigo abrir mão da necessidade extrema de não me perder da expressão da arte que mais me reflete como humano, a composição pela palavra escrita. Não sei se devo à sorte ou ao azar que o meu pragmatismo seja tão frágil. Ainda se sobrepõe em mim a sensibilidade como força incontida que não me permite deixar para trás a pretensão do artista.
Sobre metas diárias, há algum tempo, assistindo a uma palestra do João Ubaldo Ribeiro, ele dizia que cultivava a meta de escrever 800 palavras por dia. É um bom número para começar.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O primeiro passo para começar a escrever é parir uma ideia e parir uma ideia é buscar uma semente que já está incubada em algum recanto obscuro do pensamento. É um tipo de parto. De posse dessa névoa fugidia que é a consciência da história ou do tema, chega o momento de enfrentar o vácuo branco e virtual da folha do Word. Não costumo compilar notas, a não ser para textos que irão me exigir dados técnicos, como datas ou informações históricas. Do contrário, elaboro apenas um resumo ou uma lista de tópicos com o esqueleto central do que pretendo desenvolver. Quando se trata de ficção nem sempre a estrutura burocrática é fixa, a história pode tomar outro rumo, outro desfecho. Pode ficar melhor à medida que aquecemos a criatividade. Sempre prefiro pensar que não faço engenharia, faço literatura. Existem modelos, mas é bom questionar as exigências. A arte é um exercício que surpreende até o próprio artista.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Como disse antes, a procrastinação em mim existe e foi batizada com o nome de culpa. É uma luta diária driblar os seus efeitos. Sou uma alma anárquica, a minha disciplina precisa ser constantemente monitorada, o que também não garante que conseguirei mantê-la. É uma falha, prejudica e precisa ser combatida. Não creio que a protelação e a preguiça sejam pecados com registro de exclusividade, é fácil perceber que muita gente sofre do mesmo mal. O fato dessa questão estar sendo colocada aqui mostra que é uma fraqueza generalizada. Não acredito que exista outro caminho além de forçar e desenvolver o hábito de escrever todos os dias. No início, é doloroso; depois, se torna um vício.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sinto aversão em revisar meus próprios textos, mas reviso. Tento limpar erros e excessos. Mas a autorrevisão é um trabalho difícil e mais eficaz em textos curtos. Já me convenci que para textos longos, da dimensão de um romance, o melhor é contratar ou buscar um revisor profissional. Lancei um livro de crônicas recentemente, me atrevi a fazer minha própria revisão, o resultado revelou pequenas falhas.
Mostro o trabalho para uns poucos amigos, mas às vezes penso que pode ser uma tortura obrigar outra pessoa a ler sem saber se ela de fato está disposta a isso. As pessoas são educadas, aceitam. Como elas estão recebendo aquela tarefa é um enigma: será recebem com prazer ou suspiram na alma a frase “que chatice”?
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Atualmente, escrevo direto no notebook. Uso Word. É romântico escrever à mão, mas a eficiência é um teclado confortável para dedilhar por muitas horas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sou jornalista, aprendi que as ideias nascem das ruas, do cotidiano, da convivência e dos jornais. A melhor chocadeira de ideias, o motor da criatividade, é manter-se em contato com todas as outras artes: música, cinema, pintura, etc. Nas minhas pesquisas sobre grandes autores clássicos, como o exemplo de Machado de Assis, vejo que eles se alimentavam de um intenso contato com a cultura da época em que viveram. É o que tento fazer, me manter antenado e em contato com tudo que se relaciona com arte e cultura na medida do possível. Em tempos de Internet, é importante não se dispersar no oceano de possibilidades e situações que nos sugam o interesse. O mais importante é focar em preferências que se relacionem com nossos objetivos. Ajuda a evitar a angústia de não conseguir abraçar tudo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A maturidade aperfeiçoou minha escrita e mostrou-me o quanto é importante o estudo da língua, a leitura dos clássicos e da literatura em língua portuguesa. Sempre fui perseguido pela necessidade de escrever, mas a decisão de desenvolver o hábito só nasceu na minha fase mais madura, após os quarenta anos. Antes disso, o que fiz foi um treino vago, com resultados pouco consistentes. Hoje, percebo que escrevo melhor, tenho preocupação com a forma, em consolidar um estilo e acredito que é possível ter um estilo. Um gênero de leitura que considero importante para que um escritor assimile ritmo, mesmo que escreva prosa, é a poesia. A palavra é como um instrumento musical, você não monta uma sinfonia antes de praticar exaustivamente as escalas mais básicas. Se eu pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos, ofereceria a mim mesmo o mesmo conselho que Nelson Rodrigues deu aos jovens: envelheça.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que não comecei é escrever um romance, mas ainda me questiono se é necessário. Neste século 21, romances me soam como um modismo, uma obrigação, um diploma que prova quem é escritor e quem não é. Não compartilho disso. Tenho tendências para o conto, para a crônica, para o texto de reflexão e venho me exercitando por esse caminho. García Márquez exercitou-se nos contos antes de realizar Cem Anos de Solidão. Os melhores textos longos pedem fôlego e um autor treinado. Observo os jovens de hoje partindo direto para o romance. Pior do que isso, vejo muitos jovens escrevendo romances que transbordam um pseudoexistencialismo maçante e superficial. Os escritores que ganham destaque na mídia atual nem sempre são bons, muitos são péssimos, frutos mais de um marketing eficiente do que da competência como autor. Literatura virou um mercado, uma feira que se guia mais por números do que por qualidade. Por isso, é impossível supor um livro que eu gostaria de ler e que não existe, levo em conta a biblioteca inteira de livros que estão a minha frente e que eu ainda não li.