Alexandre Barbosa de Souza é escritor, editor e tradutor, autor de Vinagre.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo por volta das sete e começo a trabalhar antes das nove todos os dias, inclusive aos sábados e domingos. Minha rotina inclui muitos cafés e cigarros, cadernos de anotação, livros com páginas marcadas, trechos copiados em papeizinhos de diversas origens e tintas e grafites.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã, antes do meio-dia; de madrugada, depois da meia-noite. Meu trabalho principal nos últimos anos tem sido de tradutor literário, das nove às seis; mas meus escritos publicados como autor são principalmente poemas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco todos os dias, minhas últimas férias pagas foram há cinco anos – quando escrevi uma novela chamada Nós, a que me obriguei fazer, prevendo que seriam as últimas. Antes disso, há quinze anos, escrevi outra novela, chamada Autobiografia de um super-herói, quando era CLT.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Às vezes me vêm uma frase ou um ritmo, e anoto da forma mais livre possível; às vezes, essas frases e ritmos se acumulam por anos – alguns versos do meu Livro geral, que reúne vinte anos de poemas publicados de forma independente, ficaram muito tempo gravados nessas notas ou na memória – outros são trabalhados ou deformados pela memória e ainda posso vir a usar no futuro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nunca tive esse problema como poeta ou prosador bissexto. Meus trabalhos longos como tradutor, sim, envolvem a ansiedade natural da profissão. Fiquei cerca de cinco anos traduzindo Moby Dick, dez anos juntando notas para um poema de Baudelaire; mas em geral as editoras me dão três meses para traduzir um romance do século XIX. Assim traduzi Austen, Kipling, Carroll, Wilde, Stevenson &c., e assim tentamos pagar nossas contas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Nas traduções, costumo trabalhar ininterruptamente até o fim – e só depois de terminada a primeira versão, imprimo e reviso e anoto – para, no terço final do prazo, emendar e reler uma última vez – mas, idealmente, ainda peço a algumas editoras para me enviarem um arquivo diagramado e leio uma terceira vez. Nos poemas, grudo-os nas paredes, nos azulejos, tento copiá-los de memória e ver se saem diferentes – a destilação costuma demorar mais – é uma filatelia que não tem fim.
Traduzi um livro do Jodorowsky sobre tarot e dei uma cópia para um amigo ler; mais recentemente, traduzi um livro do Hakim Bey e dei uma cópia para uma amiga ler. Traduzi uns contos do Jacques Prévert quando meu francês era pior, e dei para várias pessoas lerem. Em geral, mostro meus poemas para os amigos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo poemas sempre à mão, só digito no computador para salvar antes que eu perca os papéis, ou esqueça no fundo da bolsa, no meio de um livro. Depois que o poema está digitado, imprimo algumas cópias e mostro aos amigos de vez em quando.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não sei dizer, talvez do reino das palavras do Drummond; mas também do mundo antes das palavras de poetas como Issa ou Bashô; algumas ideias não precisam virar nada, mas tento escrevê-las; outras ideias pedem para ser escritas, e fico anos tentando conseguir acertá-las no papel. Lembro sempre da imagem do João Cabral das lebres de vidro do invisível – que alguns poetas tentam acertar; mas também nunca me esqueço de Brecht, que escreveu alguns poemas para servir a uma ideia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Nunca me formei nas quatro faculdades que fiz, nem nunca escrevi uma tese. Meu primeiro Livro de poemas (1992) era mais inspirado – rilkeano, lorqueano; minha Viagem a Cuba (1999) foram quase cartões-postais escritos na volta ao Brasil a pedido de um amigo de Havana; 11+1 poemas, incluídos no fim do Livro geral, foram escritos depois da morte do meu pai; Vinagre (2016), que reúne Edifício Beatriz (2010) e Doze carimbos (2015), são livros ilustrados, com poemas da vida precária, como disse minha amiga Iná Camargo, e alguns poemas ainda amorosos, nada avinagrados, como disse meu amigo Willy Corrêa. No início, eu me obriguei a estudos formais de poesia e tinha mais inspiração; hoje, eu trabalho mais sobre inspirações menos elevadas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de instaurar o reino da liberdade, destruir o capitalismo como um todo, salvar a humanidade da destruição em massa, promover a tese franciscana do amor às criaturas como fundamento da constituição de um novo mundo, aplicar a teoria comunista de cada qual segundo sua capacidade e a cada qual segundo suas necessidades – espero ter começado, afinal estou com 45 e tenho um filho de 8. Quero escrever outro livro para o Max Blas, já fizemos um chamado Dix & Bisteca, sobre nossos gatos -– quando digo nós é sempre com a Rita Vidal.