Alessandra Roscoe é escritora e coordenadora do Uniduniler todas as letras.
Como você começa o seu dia?
Cada dia começo de um jeito, três vezes por semana deixo minha caçula na escola e sigo para a academia, onde pedalo dentro da água e faço fisioterapia por conta de uma lesão no ombro, isso quando não tenho atividades em escola ou no projeto que coordeno, o Uniduniler todas as letras. Nos outros dias tenho mais tranquilidade na parte da manhã para ajudar a filha com as tarefas, trabalhar e cuidar de alguma coisa também em casa.
Você tem uma rotina matinal?
Geralmente, sim, deixo a caçula na escola e sigo para minhas atividades físicas às segundas, quartas e sextas. Quando volto, geralmente leio e respondo e-mails, olho anotações, escrevo para os blogs ou tento agendar atividades do projeto. Também costumo escrever cartas no tempo que me resta nestes dias pela manhã. Ainda escrevo e recebo cartas, vou aos Correios com frequência, tenho uma caixa postal e nestas cartas que escrevo a alguns poucos amigos, exercito muito da minha escrita também. Nos outros dias separo as manhãs, quando não tenho atividades em escolas ou eventos literários, nem no Uniduniler todas as letras, para ficar com minha filha caçula. Ler com ela, brincar, fazer as tarefas da escola, estudar com ela. Os dois filhos mais velhos já têm suas rotinas e só mesmo nos fins de semana conseguimos estar todos juntos. Para conversar, ouvir e tocar música, ver filmes, falar de nossas leituras e do que queremos ver, ouvir, fazer.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor?
Acho que rendo sempre melhor de noite e muitas vezes de madrugada, quando tudo é mais silencioso e quieto. Adoro escrever de madrugada! Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Acho que sempre estou me preparando para escrever, quando leio e converso, quando fico emocionada com um filme, um livro, uma fala de alguém, uma lembrança que volta na memória sem pedir licença e me faz rir ou chorar. Ritual, preparação, acho que eu não tenho. Sou muito caótica. Tenho sempre papel e lápis ou caneta à mão e se vejo algo que me toca, se tenho uma ideia em algum momento que não possa simplesmente parar tudo e sentar para escrever, anoto para trabalhar depois. Já estacionei o carro no meio da rua para fazer anotações. Tenho dezenas de cadernetas com frases, ideias, esboços de coisas, que chamo pílulas de inspiração. Algumas eu deixo anos sem ver, outras leio e releio sempre, algumas já viraram textos e outras ainda esperam nem que seja para que eu desista delas de vez.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados?
Escrevo todos os dias. Eu só me reconheço por escrito. É engraçado dizer isso, mas preciso da caligrafia, sou daquelas que conversa rabiscando palavras. E escrevo tudo à mão. Sou jornalista de formação, atuei como repórter de jornal, rádio, revista e TV por mais de 15 anos e mesmo na TV com tudo informatizado e as redes interligadas, eu só conseguia escrever meus textos primeiramente à mão. Desenvolvi uma rapidez criativa muito maior para dar conta de fechar as matérias no tempo certo. Para conseguir criar nos cadernos e só depois passar a limpo nos computadores, no sistema que interligava as redações. Tive editores que surtavam comigo por conta disso, mas acabavam entendendo e até admirando essa mania maluca de escrever tudo antes de digitar. Eu brinco que escrevo até para quem não sabe ler e aí desenvolvi outra paixão que é a de ler em voz alta, a leitura partilhada que é um dos pilares do Uniduniler todas as letras, projeto que coordeno de leitura e afeto com bebês, idosos e pessoas com necessidades especiais ou em situação de vulnerabilidade.
Você tem uma meta de escrita diária?
Não me determino metas de escrita. Acho que sempre tive muito mais metas de leitura do que de escrita. A pilha de livros na minha cabeceira não deixa de ser uma meta, mas de leitura. E devo dizer que até lendo eu escrevo, faço muitas anotações nos rodapés dos livros e nas tantas cadernetas que espalho por todo canto da casa, nas bolsas.
Como é o seu processo de escrita?
Não sei se tenho um processo de escrita. Como disse, eu sou muito caótica, faço um milhão de coisas ao mesmo tempo. Às vezes tenho a sensação de que ainda tenho 15 anos de idade querendo com ânsia adolescente abraçar o mundo, dar conta de tudo. Mas pensando sobre o tal processo da escrita, acho que ele sempre começa é com a leitura e passa também pelas releituras muitas. Os livros que li, os que releio sempre são para mim ponto de partida, inspiração mesmo e quanto mais eu leio, acho que mais quero escrever. E Engraçado é que com o passar dos anos e a sensação de que vai me faltar vida pra tudo o que eu ainda não li e quero ler e ainda para o que eu quero reler, que fico me perguntando se o que quero mesmo não é ler mais e escrever menos. Só que para dar conta das dores, dos amores e de tudo, eu preciso escrever, a escrita me ressignifica e eu sigo escrevendo todo dia. A pesquisa para a escrita também me fascina. Tenho alguns textos em fase de pesquisa, que nem sei se vão virar narrativa, mas que me alimentam de descobertas e inspirações. Acho que meu processo criativo é caótico como eu sou, muitas vezes pesquisando para um texto específico eu acabei escrevendo dois três livros e isso sem voltar à ideia inicial que fez buscar a pesquisa, os outros dados.
Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar?
Acho sempre mais difícil terminar que começar. Devo sofrer do mal do ponto final. Muitas vezes encerro um texto e ele fica reverberando em mim. Como sempre deixo os textos decantarem um pouco antes de mandar para editoras, ou mesmo para os amigos que são os meus leitores críticos, fico mudando ou querendo mudar sempre que releio, nunca acho que está finalizado. Acho sempre que pode ser melhor. Mas já tive textos que escrevi na fila do banco e quando reli uma única vez gostei tanto que decidi dali mesmo encaminhar. Mandei para dez editoras pelas quais gostaria de publicar às 11 horas da manhã e às 11h45 nove das dez editoras haviam me respondido dizendo que queriam publicá-lo. Foi a única vez que isso aconteceu na minha vida e antes de chegar à editora que o publicou, passou por negociações com outras duas.
Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acho que esse é um processo natural, mas também não tenho um método, uma fórmula. Muitas vezes no meio da pesquisa pra um livro, surge a ideia para outro e eu começo e termino este outro, antes mesmo de dar continuidade ao que estava buscando com a pesquisa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Algumas vezes escrever dói demais. Quando é a dor que me paralisa, eu me permito viver a trava, a procrastinação e os medos todos e sem culpas e cobranças já fiquei quase dois anos sem produzir. Não sem escrever, mas escrevendo apenas cartas diárias para a minha mãe, quando ela morreu. Cartas que nunca escrevi pensando em publicar, nem mesmo em mostrar para alguém. Escrevê-las foi a forma que encontrei de dar conta daquela perda, daquela dor e do vazio, foi um jeito que achei de não interromper o diálogo que sempre existiu entre nós e que a morte interrompeu numa segunda-feira sem aviso prévio. Passei mais de 600 dias escrevendo só as cartas e acho que foi o meu jeito de viver o luto, também por escrito.
Por outro lado, tenho projetos maiores que descansam na gaveta mais do que andam, dois romances começados e que sempre que retorno a eles, acho que precisam ir para outro lado. Talvez eu precise viver mais coisas antes de retomá-los e ter a certeza para onde quero que sigam.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos?
Nossa, muitas e muitas vezes, acho que reescrevo muito mais do que escrevo. Em alguns casos precisei forçar um basta para não ter que mexer continuamente. Eu geralmente deixo a escrita decantar, é a fase gaveta necessária mesmo para lapidar o texto. E ela pode durar três meses ou anos.
Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho dois leitores críticos que leem tudo o que escrevo e penso publicar: meu marido Orlando que não é do meio literário, mas é um artista em várias outras linguagens, parceiro na vida e na arte e o escritor e amigo Tino Freitas, um profundo conhecedor e estudioso da Literatura e não só a feita para a infância. Um ou outro texto, eu mostro também para amigos escritores e jornalistas e para os filhos, que são meus outros críticos contumazes. Mas os que leem mesmo tudo o que pretendo publicar são sempre Orlando e Tino.
Como é sua relação com a tecnologia?
Confesso que não sou muito tecnológica. Claro que acho um máximo ter o mundo ao meu dispor num clique do teclado, já me rendi ao leitor digital e acho muito bom, mas ainda sou daquelas que quer ter também o livro impresso. Eu uso a tecnologia, não tanto quanto deveria, pois sou mesmo limitada e acho que não temos como deixar de reconhecer todos os avanços e benefícios Já consegui por meio de vídeo conferência visitar uma escola numa tribo indígena que estava lendo um dos meus livros. Isso foi incrível!
Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo sempre à mão, eu tenho necessidade da caligrafia.
De onde vêm suas ideias?
Dos livros que leio, das situações cotidianas que vivencio, das conversas com crianças e com amigos. Da memória e da curiosidade também. Acho que sempre estive atenta aos pequenos deslumbramentos. Certa vez, no trânsito, parada num sinal, num dia de chuva, a imagem que uma mancha de óleo numa poça dágua refletindo um arco-íris me trouxe, foi o ponto de partida para uma história. Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa? Acho que aguçar o olhar poético é o principal, estou sempre buscando contemplar com o olho parado num outro tempo mesmo, atenta ao que pode se esconder no óbvio de todo dia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos?
Acho que estou menos ansiosa. Consigo me permitir ter outro tempo para começar e mesmo para terminar ou até nem terminar os textos.
O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não sei se teria o que dizer. Dia desses achei um caderno de poemas que escrevi no auge da meninice, gostei do que li, achei verdadeiro e me reconheci ali. Acho que queria que aquela menina de oito ou nove anos me ensinasse de novo a escrever sem amarras, sem tanto julgamento e preocupação. Eu não tenho nada para dizer a ela!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou?
Gostaria de ver um dos meus livros escritos em parceria com o escritor e amigo Leo Cunha, virar uma série de livros e um programa de TV. É uma história super legal sobre a imaginação em que toda a ação real se passa no mundo virtual. Dedé e os tubarões nasceu de uma história do filho do Leo, foi escrito a quatro mãos e poderia ser uma série bacana.
Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Nossa, tem tanto livro já escrito que eu ainda quero ler e mais tantos outros que eu quero reler com o meu olhar de agora, que não consigo imaginar o que eu gostaria de ler e que ainda não existe.