Alessandra Barcelar é escritora e historiadora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu havia recebido o convite para esse projeto há um bom tempo, havia começado as respostas, porém, como tudo é um sopro, minha vida (e aí entra a mudança radical da rotina), mudou. A realidade é outra.
Começo meu dia com caminhadas, sempre, nem que seja até uma praça próxima, essa é a rotina matinal. De resto, aproveito a manhã para escrever ou ler, cuidar das plantas e rotinas da casa, filhos, também gosto de jogar conversas fora com amigos, dialogar.
Quando estou estressada pelo confinamento, uma vez que sou grupo de risco, gosto de me dedicar à arte do mosaico, o silêncio e atenção com que vou dando forma ao mosaico me ajudam muito na organização das ideias, não é raro passar pensamentos que podem render boas histórias.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor pela manhã, uma vez que gosto de partir das memórias, do mundo onírico, de trocas ou leituras, que, a meu ver, funcionam melhor durante as manhãs, não que isso seja uma regra diária. Já tive insights voltando do trabalho ou preparando um jantar, para exemplificar. O importante é anotar tudo, nunca sei quando a inspiração pode voltar.
À noite gosto de estudar.
Não tenho um ritual para a escrita, sou displicente, ultimamente fiz alguns cursos de escrita criativa com ênfase em contos, que é o que realmente gosto de fazer, às vezes, volto trabalhar alguns exercícios, principalmente os do Prof. Assis Brasil para treinar, mas costumo carregar para o local que escrevo alguns livros, não que vou usar para escrita, mas é como um amuleto, uma companhia.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma metade escrita diária?
Escrevo quando estou inspirada, um pouco por dia, não me saio muito bem quando existem metas ou pressões, prova disso foi um curso que fiz pelo SESC onde os exercícios eram realizados em 5 minutos, para mim era um sacrifício, sofrido, ficava ansiosa e geralmente falhava na escrita, demoro para criar até um nano conto de 2 linhas. A coisa tem que ter um sentido, tem que contar algo e nesse curso suei a camisa, ficava ansiosa e travada, por isso prefiro escrever um pouco a cada dia e olha que nem sempre consigo, quando nada avança, procuro outras atividades e deixo a escrita para hora certa.
Quando escrevo á convite de coletânea ou revista aí o ritmo muda um pouco e procuro escrever mais concentrada até cumprir o prazo e tema exigido, o mesmo ocorre em resenhas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começar é fácil, o difícil é o ponto final.
Como falei, sou movida por inspiração, então, o processo é bem alternado, já tive momentos pedalando onde me ocorreu uma história inteira, outras vezes preciso de mais detalhes e tempo, daí parto para pesquisa.
Geralmente meu processo começa com um agrupamento de ideias sobre o que pretendo escrever, gosto de pesquisar os temas, principalmente se abarcar um período histórico diferente do contemporâneo, quando tenho tudo compilado, parto para a elaboração do conto, independente do tamanho ou forma.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Como disse, se há travas procuro não escrever, respeito os silêncios impostos pela literatura, e o medo às expectativas acredito que seja meu maior problema, explico: quando recebo um convite, por exemplo, sei que é esperado algo bom, um conto a altura dos demais autores, só isso já é suficiente para me paralisar.
Trabalho essas travas com diálogos, também procuro extravasar em treinos, antes em academia e hoje, devido à situação, em casa.
Nos momentos de travas procuro reler o que estou escrevendo, procurando buracos e possíveis formas de narração.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostraseus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O ser humano nasceu para socializar não é? Não só mostro, como tenho necessidade de outros olhares e múltiplas interpretações.
Acredito que reviso duas vezes antes de submeter algum conto ou resenha, cabe ressaltar que não sou crítica ou escritora por profissão, trabalho na área econômica, no mais, são as avaliações de amigos que dão o incentivo, já tive texto criticado que chegou ser premiado numa coletânea, assim como acumulo muitos “nãos”.
Também já enviei textos maiores para revisão profissional.
Alguém disse uma vez que o texto perfeito está dentro da gaveta, portanto, gosto de dividir minhas produções com pessoas do meio literário do qual faço parte.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu ainda escrevo em cadernos e à lápis! Não era raro me ver em bate-papo literário ou clube de leitura sem os dois.
Com as aulas e eventos 100% ‘online’, tenho me atrapalhado um pouco nas apresentações, o tempo é escasso para ler e enquanto as outras pessoas leem pelo computador, eu me perco no caderno, muitas vezes sem entender o que eu mesma escrevi.
Também não dispenso o bloco de notas do celular.
Depois de escrito à mão, passo para o computador, não uso nenhuma plataforma profissional de escrita, vai do caderninho para o Word.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias chegam, e, se não chegam respeito. Minhas ideias surgem da memória, de um cheiro, de histórias que vi ou ouvi dentro de hospitais, houve um tempo que eu usava como títulos procedimentos médicos, é o caso de um micro que escrevi com o título “desbridamento” que é o ato de remover feridas a sangue-frio, acredito que isso por si já é poético.
Chegam através de sonhos recorrentes ou imagens que despertam a criatividade.
Só é escritor quem lê e claro que comigo não é diferente, minhas leituras estão confessas na minha escrita e resenhar faz parte do processo do sentir, portanto, meu hábito maior é a leitura.
Tenho também outros hábitos como caminhar e observar pessoas, já vi gente falando sozinha numa praça, que virou um conto, percebo pequenos animais o cheiro da cidade, frequento exposições e teatro, tudo para manter a criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Escrevo relativamente há muito pouco tempo, não tenho longos anos, exceto a tese.
O que diria a mim mesma seria para ter começado antes! Para ter confiado antes! Claro que, com o tempo fui frequentando alguns cursos onde a teoria me foi importante e melhorou com o passar dos anos, ainda assim, acredito que deveria ter investido mais na minha capacidade, deve ser normal o medo de começar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que quis fazer eu já comecei, na verdade, falta dar vida, precisa nascer, que é a organização de uma coletânea de realismo mágico (contos). O livro está pronto e em vias de negociação de publicação.
Outro talvez, seria retornar a biblioteca do Hospital que devido à pandemia foi desativada para ser transformada em leitos, um projeto bonito que cedeu o lugar a um projeto grandioso que é salvar vidas.
O livro que eu gostaria de ler seria uma obra a mais de Rulfo. Só mais um; falou tanto com tão pouco.