Alana Della Nina é escritora, jornalista e tradutora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Com um excelentíssimo café da manhã, sempre que possível. Para mim, esse momento do dia é muito importante e, quando posso, faço tudo com calma – preparo e tomo um café demorado, leio, levo meu cachorro para passear, começo o dia devagar. Se não tenho nenhum prazo no pescoço, só vou começar a trabalhar dali uma hora, mais ou menos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Da hora que começo a trabalhar, por volta das nove, até o almoço, mais ou menos. À tarde, fico menos produtiva em termos de criatividade, então priorizo os trabalhos que não envolvem a escrita propriamente, como edição, tradução, transcrição, pesquisa etc. Mas também prazo é prazo, e se tenho uma entrega para aquele dia, aí não tem jeito, a coisa sai em qualquer horário – tem que sair, né?
Acho que esse negócio de horário também sempre muda. Não tenho filhos, mas vejo muitas escritoras que viraram mães dizendo que, hoje, o “melhor horário” é aquele que dá, então, penso que tudo é questão de hábito, disciplina. Quando eu era mais nova, costumava varar a madrugada escrevendo. Hoje em dia, às nove da noite já não rendo mais nada.
Sobre ritual, depende muito do que vou escrever. Se for uma matéria mais simples e técnica, por exemplo, sento e escrevo, mas se for uma reportagem longa, com muita pesquisa, personagens e fontes, ou um projeto meu, o processo é diferente. No geral, nunca consigo sentar e escrever organizadamente, a coisa começa antes, vou elaborando as ideias na cabeça, pensando na costura do texto. Só quando encontro aquele fiapinho que (inevitavelmente) vai me conduzir ao resto, começo a escrever.
A realidade é que esse início, para mim, é bastante sofrido, ainda procrastino, demoro para entrar no flow do texto, mas quando entro, aí caio numa espécie de transe – etapa que considero meu melhor momento. Sou um pouco caótica nesse sentido, mas é como funciono.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como trabalho com texto – seja escrevendo, editando ou traduzindo –, é um pouco mais complexo falar de ritual porque preciso separar as coisas: há o trabalho de escrita com o jornalismo e a tradução, minhas atividades profissionais, e há o trabalho de escrita que é meu projeto pessoal. Para mim, são coisas muito distintas. Então vou falar do meu maior desafio, que é arrumar tempo e espaço para a escrita que amo. Idealmente, é a primeira coisa que faço no dia, antes de gastar minha energia criativa com outras coisas. Com as demandas da rotina, considero um certo luxo separar duas horas da manhã para escrever, mas é minha meta. Hoje acho que consigo escrever pelos menos 1 hora por dia, cerca de três vezes por semana. Mas, claro, não é regra. Tem dia que me perco no texto (o que é incrível) e esqueço de todos os compromissos, gastando 3, 4 horas só ali. Da mesma forma, posso passar semanas sem escrever uma palavra.
Além de me organizar para tentar criar um hábito de escrita, que acho fundamental, também tenho aquelas epifanias que vêm fora de hora – no banho, no supermercado, no meio de um curso, quando você acorda no meio da noite para fazer xixi. Aí paro o que estou fazendo e anoto. Jamais desprezo esses pequenos lampejos de criatividade.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acho que falei bastante disso nas respostas 2 e 3, mas, para sintetizar: tenho um projeto mais ou menos linear, que é um romance, e uma espécie de estrutura para ele. Meu compromisso primordial – e mais difícil – é encaixar as palavras dentro dessa estrutura. Tenho muitas anotações dispersas e sem muita conexão entre si, então minha missão é fazer uma curadoria dessas anotações e, a partir delas, criar essas costuras. Quanto à pesquisa, meu processo é inverso: quando aparece a necessidade, ou procuro dali mesmo, ou, se eu estiver nesse fluxo criativo, pinto o trecho de amarelo para apurar depois.
No geral, acho que dá para dizer que esse processo de escrita está em evolução o tempo todo. Procuro sempre maneiras mais produtivas e agradáveis de escrever, às vezes respeitando meu instinto, às vezes forçando um pouco a barra para a coisa acontecer.
Como trabalho muito com edição de texto, tenho esse péssimo hábito de me editar o tempo todo. Tem sido um processo me livrar disso, e é super importante, porque senão posso passar séculos alisando a mesma página. É uma praga. Uma vez, ouvi um negócio do escritor Tiago Novaes que nunca esqueci: pare de escrever como se alguém fosse achar suas anotações no futuro. Escreva sem vergonha.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu não lido – pelo menos no que diz respeito ao meu projeto pessoal de escrita. Se travar, travei.
Já no trabalho, não tenho essa escolha, sou muito comprometida com prazo. Então sento e forço a barra até sair. De repente, esse é um bom conselho para quem trava nos textos literários também (hahaha).
A expectativa do outro também trava demais a gente. Aqui, acho que vale o conselho do Tiago que dei na resposta anterior. Escreve o que quiser e deixa para se preocupar com a lapidação na edição. Você ainda vai mexer muito nesse texto.
Sobre projetos longos: claro, é importante criar as bases do seu projeto e isso envolve desenhar uma certa estrutura, mas acho que a escrita criativa, literária tem que ser prazerosa, então é melhor saborear a caminhada do que mirar o destino.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Um milhão de vezes, é um inferno. Um texto nunca está pronto, né? Outra coisa que ouvi e adorei, mas, infelizmente vou cometer a injustiça de não lembrar o nome do autor: você não termina um livro, abandona.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não sou a maior fã dessa tecnologia hoje. Gosto muito pouco das redes sociais, entro eventualmente, e acho uma pena esta época que estamos vivendo, de uma existência digital tão intensa e, ao mesmo tempo, rasa. Mas, claro, não nego seu valor. É uma fonte de informação e conhecimento rica e de fácil acesso e que também possibilita essa conexão com as pessoas.
Escrevo no computador por uma razão simples: depois de tantos anos fazendo só isso, desacostumei totalmente de escrever à mão, fico com os punhos doloridos, além disso, minha letra é ilegível hahahah é vergonhoso. Mas, sim, tenho muitas e boas anotações à mão também.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Acho que esse conjunto de hábitos existe, mas é intuitivo, orgânico. Um sistema que você forma a partir da experiência de escrita. Hoje defino que meus textos partem de dois caminhos: vivências pessoais e observação. Por exemplo, moro em uma rua que cruza uma grande avenida, e, em determinado horário, as pessoas sempre correm para pegar um ônibus. Eventos como esse são muito ricos para um escritor.
Para mim, qualquer coisa pode servir de ponto de início. Outro dia, enquanto eu fazia compras, tocou uma música antiga no supermercado, que escutei muito na infância porque fazia parte dos sucessos da rádio daquela época. Aquilo me trouxe uma memória afetiva muito forte que me rendeu um capítulo inteiro do meu projeto, além de servir como inspiração para outros desenrolares.
E, sim, há também aqueles hábitos que são fundamentais para qualquer escritor e você pode criá-los no dia a dia: escreva muito, leia mais ainda. Leia por diversão, mas leia também com olhar crítico, de estudante, tentando entender a carpintaria por trás daquele texto. Para mim, esse é o processo mais rico de todos. Também gosto muito de cursos e oficinas, são ótimos motivadores. Por fim, encontre sua turma: gente que gosta de ler e de escrever. É muito bom trocar textos e ideias com gente que tá na mesma que você.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Aprendi que só é possível escrever sobre o que conhecemos, o que já vivemos. Para escrever com profundidade e verdade, você precisa ter vivido a experiência que quer relatar. Não importa se o cenário é intergaláctico e seu protagonista, um extraterrestre, o enredo tem que estar conectado com algo que você conhece a fundo, mesmo que subjetivado – de um pé na bunda a um luto. São os temas universais em recortes particulares – morte, amor, traição, abandono. O poder de contar essa história, com todas as camadas que ela merece, não tem a ver só com talento, tem a ver com a verdade de cada um.
Se eu pudesse voltar no tempo, aos meus primeiros textos, diria a mim mesma: pare de ser pretensiosa, escreva sobre as coisas “pequenas”, escreva sobre o que você sabe. E, ainda, não se preocupe com as palavras, se preocupe com a história.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Acho que, como qualquer um que escreva e goste de ficção, um romance. Na realidade, já comecei, tenho lá meus esboços e ideias, mas ainda estou muito longe de dar cabo da história. Chego lá!
Difícil essa última pergunta. Acho que todos os livros existem e, ainda assim, há espaço para todos os outros.