Ágnes Souza é escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O início dos meus dias, de segunda à sexta, giram em torno de me preparar para ir trabalhar, sou professora, então, a rotina é levantar, tomar banho, organizar meus materiais e sair. Nos fins de semana, eu consigo ter mais calma; acordo cedo, leio, tomo café da manhã, leio mais um pouco, depois disso, começo meu dia, mas não é tão regular como eu gostaria.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho melhor pela manhã, a cabeça está menos caótica, eu censuro menos as ideias para ir trabalhando aos poucos, mas diante das circunstâncias e da correria do dia a dia, acabo trabalhando mais à noite.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Costumo escrever um pouco alguns dias, não diria “todos”, escrevo ideias soltas em pedaços de papel, caderninhos, bloco de anotação do celular, qualquer pedaço de papel que estiver à mão, eu uso para anotar alguma ideia, mesmo que eu não faça uso dela. Não, não tenho meta de escrita diária, já tentei, mas não obtive sucesso, aí acabei deixando de lado e respeitado o caos das ideias “fora de hora”.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como falei anteriormente, eu tenho muitos cadernos, blocos de nota, post it, e suportes afins e tento concentrar anotações de ideias, a referência de algo que preciso rever, reler ou ouvir novamente, então, registro versos, pistas, palavras que se apresentaram para mim de maneira inusitada, vou anotando tudo que posso, mesmo que, inicialmente, não faça sentido, eu vou fazendo meu próprio caça-tesouro, sem saber se, de fato, conseguirei chegar a algo ou a algum lugar. Eu nunca sei se o que eu compilei é suficiente, mas costumo testar, ensaiar a escrita do poema, para ver se daquelas anotações é possível sair algo que me agrade. O difícil, às vezes, é a finalizar o poema, até porque os inícios são experimentações. Acho que nunca encarei esse processo como “pesquisa”, eu vou sentindo como material vai tomando corpo e forma, por vezes, por exemplo, o texto não nasce a partir de nada prévio, ele já vem inteirinho, não diria “do nada”, mas ele parte mais de um susto que de uma pesquisa ou preparação. Então esse movimento varia de uma situação para a outra, não tenho método estabelecido ou qualquer tipo de padrão.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu já tive muitos momentos de angústia, quanto às travas, principalmente no período crítico da pandemia. Não as entendo como fruto de medo ou coisa parecida, mas, muitas vezes, me convenço de que não tenho nada de interessante para dizer, algo que eu considere relevante; ou também acontece de não pensar em absolutamente sobre poesia ou para poesia, são períodos que podem ser bem longos ou curtos, ultimamente têm sido longos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sei ao certo um número exato, varia de texto para texto, mas quando escrevo algo mais extenso, tendo a revisá-lo mais vezes, para ver se algo não passou batido, principalmente no tocante à parte gramatical, mas eu raramente modifico os versos depois de tê-los escrito, é mais um ajuste e outro. O que acontece, por vezes, é de deixar um poema em banho-maria e depois voltar a ele com outras ideias, mas conservando a ideia principal, por exemplo, um poema que tinha três páginas se transformou em um poema de quatro versos, é raro, mas quando acontece é sempre nessa perspectiva de “esquecer” que ele existe e, por alguma razão, ter vontade de voltar lá e fazer alterações que eu acredito que precisem ser feitas, naquele momento. Eu tenho um grupo de amigos que sempre leem meus textos, assim que escrevo, envio; às vezes, antes mesmo de fazer uma revisão mais minuciosa, envio para saber a opinião deles, acabou sendo parte do meu processo de escrita, não tem um texto que eu não mostre a eles, até mesmo aqueles que eu venha descartar posteriormente ou simplesmente não publicar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho uma relação de boa, na medida do possível, até porque é através dela que os trabalhos, hoje em dia, vêm circulando e propagando, minhas questões são mais quanto a minha falta de desenvoltura, às vezes, mas nada além disso. O suporte dos meus rascunhos varia bastante, como mencionei, por vezes, vêm a ser o que tiver mais fácil, mais próximo para anotar uma ideia que surge, tanto faz eu escrever um poema diretamente no meu “arquivão” quanto eu escrever nos meus caderninhos ou no celular e muito depois passar para o computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de vários lugares, mas eu pontuaria três fontes recorrentes; a primeira é a rua, gosto muito de andar, de observar o entorno, seja na praia ou dentro de um ônibus, tenho o mau hábito de prestar atenção em conversas, às vezes não é nem por conta do conteúdo do diálogo, mas me prende a atenção um tom de voz, uma forma de falar uma palavra, é na rua que estão as pessoas, os animais, situações cruas, bonitas, incômodas, então é algo que acaba atravessando boa parte dos meus escritos. A segunda são minhas experiências pessoais, a minha poética passa, antes de tudo, por mim e não desassocio das minhas vivências, escrevo muito sobre pessoas que amo, que já amei, que deixei de amar, sobre minha infância (com a qual sonho bastante), sobre desejos, sobre minhas vulnerabilidades, sobre o que me aceito, me nego, me instigo, me excito e, sobretudo, como enxergo a mim e aos outros. A terceira parte de diversos processos de contágio com outros tipos de arte, seja música (talvez a coisa que mais goste no mundo), seja uma peça de teatro, uma fotografia, uma pintura, um filme, uma série, algum personagem de filme ou série, no meu último livro, por exemplo, há um poema que fiz e dediquei para duas personagem de um filme do qual gosto muito; depois de entrar em contato com essas diferentes formas de extrapolar a vida, eu saio incomodada, angustiada, assusta e, a partir disso, os textos se apresentam, o que não quer dizer que eles vão ser dialógicos com o que acabei de ver/ler/ouvir, mas esse contágio me apresenta algo que eu ainda não havia pensado ou escrito sobre, quando acontece, é sempre uma grata surpresa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Creio que agora eu respeito mais o tempo do texto, mesmo que, inicialmente, eu não goste tanto do resultado final, deixo ele um pouco descansando e, em algum momento, retorno para ver se era o meu momento ou se, de fato, o texto precisa ser deletado, pois eu costumava descartar muita coisa que, no calor de momento, eu achava que era o que tinha de ser feito (e não era). Também passe a tentar entender e aceitar minhas próprias travas, já foram grandes problemas, hoje em dia, não vejo motivo para chateação, pressa ou insistência em algo que não vai ser produzido naquele momento que eu senti e me preparei para escrever, não deu, não deu e pronto. Eu diria a mim mesma para tirar alguns poemas do meu primeiro livro (risos).
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu estou num processo de finalização de escrita de um terceiro livro, tenho me concentrado nisso nos dois últimos anos, quero muito que venha ao mundo, no tempo que tiver que vir. Há sempre algum livro que eu queira ler e não sabia, muitos já existem, uma hora ou outra eu topo com eles, isso eu deixo para as surpresas da vida mesmo.
* Entrevista publicada em 10 de julho de 2022.